São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jornalismo musical pode viver só com duas regrinhas básicas

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA FOLHA

Sei que um monte de gente de gente que lê esta coluna trabalha na área musical. Não só músicos, mas também gente de gravadora, de rádio, de casa noturna, de TV e tal. E sei que tem um monte de gente que lê esta coluna e gostaria de trabalhar na área musical.
Sei mais ou menos o que fazer para conseguir se descolar em rádio, gravadora etc. Agora, o que sei direitinho é como trabalhar na minha área, jornalismo, e, especificamente, jornalismo musical (que na verdade só ocupa uns 15% do meu tempo atualmente).
Se você quer entrar no mundo glamuroso do jornalismo musical, preste atenção. Tenho só duas regrinhas simples.
Regra número um: tem que saber escrever. Não adianta gostar de um monte de música ou tocar direitinho o solo de Steve Howe em ``Gates of Delirium", se você não sabe escrever.
Saber escrever depende de você conhecer português e a técnica básica de jornalismo (que é baba). Ter um mínimo de cultura geral, que vá um pouco além da discografia dos Smiths, também não atrapalha em nada.
Repare, saber escrever não é ter um grande estilo, pessoal e intransferível. O estilo é uma coisa que nasce das imitações baratas que a gente faz dos textos que a gente admira. Eventualmente, isso vai se misturando com o que a gente é, e sendo filtrado pelos lugares onde você trabalha.
Eu, por exemplo, escrevo direto e rápido, porque aprendi o ofício em jornal. Depois trabalhei em revista e soltei a franga no coloquial e na conversa mole.
Ninguém me tira da cabeça que um bom texto sobre rock tem que ser parecido com o papo que você tem com os amigos no bar, depois de um show. Tem gente que teve formações diferentes. Daí, escreve diferente.
Saber escrever também não tem a ver com ter uma opinião. Opinião todo mundo tem e não vale picas. Você precisa ter uma opinião e saber expô-la de maneira que outras pessoas queiram pagar para conhecê-la.
Regra número dois: você não pode ter medo. Nem de meter a cara, nem medo de trabalhar.
A maioria das pessoas que eu conheço, que vivem de escrever sobre essas coisas pop começou metendo a cara. Não tem editor que dispense um bom texto.
Mas antes é preciso você fazer o editor ler o seu texto, e editores são pessoas ocupadas. Mete o pé na porta. O máximo que pode acontecer é você levar um não.
Medo de trabalho também é desemprego na certa. Jornalista trabalha pra caramba. Não tem fim-de-semana, hora para sair ou para entrar. Tem um mundo de coisa de fazer o tempo inteiro.
E como epílogo, lembro que ter um pouco de caráter também nunca atrapalhou ninguém.
Como você vê, não é tão complicado assim trabalhar na imprensa musical. O que você ganha com isso? Não muito. Você entra em show sem pagar e ganha montes de CDs. Viaja a trabalho para entrevistar uns e outros. É convidado para festas e lançamentos de discos.
E, claro, conhece um monte de artistas. Às vezes, até fica amigo de um monte de artistas. Se isso acontecer, está na hora de pedir demissão e mudar de carreira. Ninguém tem coragem de falar mal dos amigos. Ou, invertendo, não tem carreira que valha a perda de um amigo de verdade.
A grana também pega. Tirando meia dúzia de grandes veículos, o salário na imprensa é uma bobagem. Se o teu negócio é ganhar dinheiro a sério, vale mais a pena fazer dez outras coisas, do que ser jornalista.
E lembre-se que escrever sobre rock não é exatamente uma carreira. Tem poucas coisas mais rídiculas do que um velhote pai de família que vive de escrever sobre a nova bandinha que despontou nos confins do Missouri.
Por isso, os jornais e revistas costuma ter o bom senso de substituir críticos coroas por garotos cheios de gás. Como, talvez, você.

Texto Anterior: MOCINHOS E BANDIDOS
Próximo Texto: ``Nirvana" londrino estoura nos EUA e é ignorado na Inglaterra
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.