São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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Centenário marca edição de Cannes

Atrações homenageiam a efeméride

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O centenário do cinema estava originalmente previsto para ser um tema marginal do 48º Festival Internacional de Cinema de Cannes. Presente mas não preponderante. A efeméride foi mais forte. Cannes-95 passa para a história como a edição dos 100 anos.
Muitos fatores contribuíram para isso. A alta qualidade dos programas ligados a celebração contou muito. Atrações imprevistas também. O debate sobre o centenário foi irresistível aos cineastas-pensadores que passaram por aqui em filme ou ao vivo.
A telessérie produzida pelo British Film Institute (BFI), batizada ``O Século do Cinema", firmou-se como programa didático. O episódio em três capítulos de Martin Scorsese (``Taxi Driver") é um monumento. A série do BFI é videoteca básica.
Menos feliz foi a produção francesa ``Jovens Luzes" (Jeunes Lumires), que reuniu trechos do pequenos filmes super-8 de um minuto rodados por 350 estudantes entre 10 e 18 anos. A versão montada de sessenta minutos, sob a coordenação do crítico Alain Bergala, não conseguiu imprimir ritmo ao heterodoxo material que tinha em mãos. ``A montagem tentou fazer um filme mesmo, e não uma coleção de 60 curtas", disse em Cannes a diretora do projeto Nathalie Borgeois. Tentou mas não conseguiu. A colagem oscila com a qualidade dos fragmentos. Mas ``Jovens Luzes" é o tipo do projeto brilhante cujo balanço prescinde da qualidade de obra concreta.
Uma boa surpresa foi a série de curtas ``Prelúdios", que abriram as sessões da mostra competitiva. Mais uma vez, presente o selo da Associação Primeiro Século do Cinema (dirigida pelo ator Michel Piccoli). Esses divertidos filmetos de montagem provam a sobrevida autônoma de trechos de clássicos. A maioria seguia uma organização temática (``gospel", Hamlet, etc.); especiais lembraram grandes estrelas (Marilyn Monroe, claro, e Jean Gabin, numa concessão à francofilia).
Os cem anos foram celebrados pelo imponente ciclo John Ford, pelo filme-surpresa de montagem ``Os Filhos de Lumire" de Philippe Pillard, por um balé especial criado por Karine Saporta, por ``Salaam Cinema" do iraniano Mohsen Makhmalbaf. Dois outros filmes de cineastas importantes trataram do tema secundariamente.
``O Olhar de Ulisses" do grego Theo Angelopoulos homenageia os pioneiros do cinema na Europa central, os irmãos (por que será que são sempre irmãos?) Yannakis e Miltos Manakia. Angelopoulos recorre a eles para cumprir um triplo papel: dramático, para orientar a viagem de seu protagonista, reflexivo, ao permitir-lhe discutir o ofício cinematográfico neste ano especial, e simbólico, como exemplos indiscutíveis de artistas balcânicos que trabalharam por cima das instáveis fronteiras nacionais na região.
Wim Wenders dedica toda a conclusão de seu ``Estória de Lisboa" ao centenário. Seu otimismo frente o futuro vence a nostalgia. Nesta recusa à celebração pela celebração, Wenders concorda com o Godard de ``Duas Vezes Cinquenta Anos de Cinema Francês". Mas Godard é marcadamente cético. Acha que o cinema jamais explorou todo seu potencial e agora é por demais tarde. Mesmo ausente, foi a voz mais inquieta e dissonante do festival.

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