São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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Regina Silveira demonstra a ilusão visual

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Desenhos
Artista: Regina Silveira
Onde: AS Studio (al. Santos, 1.787, tel. 011/253-3233, Jardins, zona sul de São Paulo)
Quando: abertura hoje, às 19h; até 30 de junho
Visitação: de segunda a sexta, das 12h às 19h; sábados, das 14h às 18h

À porta do ateliê de Regina Silveira, no bairro do Sumaré, em São Paulo, uma placa diz: ``A vida é uma coisa estranha ao homem". Eis um bordão que serve de bilhete de entrada para a exposição que o AS Studio abre hoje.
Para ser mais exato, eis um bordão útil para entender todo o trabalho de Regina, 56, cujo objetivo central é mostrar o quanto de estranheza existe na mais simples percepção visual e espacial, por meio de perspectivas cruzadas e sombras distorcidas.
Os brasileiros conhecem pouco esse trabalho, mas agora a coisa começa a mudar. Em 1996, sobretudo: o Masp (Museu de Arte de São Paulo) cederá em fevereiro daquele ano todo o primeiro andar para o ilusionismo de Regina.
A exposição será acompanhada por um livro com diversos textos críticos e por uma mostra de cerca de 20 maquetes de madeira, que são feitas por Regina justamente para documentar sua carreira.
No AS Studio, além de 19 desenhos, há três dessas maquetes e duas das ``louças pintadas", as delicadas peças domésticas às quais Regina dá ironia e drama.
Sim, ironia e drama. Se os desenhos mostram como há estudo e controle nas obras de Regina, não se iluda. No caso dela, ao contrário do de muitos ``experimentalistas", estudo e controle não excluem idéia e expressão.
Basta ver como sua carreira começou. Entre 1960 e 1966, ela foi aluna do grande Iberê Camargo (1914-1994) em Porto Alegre (RS) e dele apreendeu toda a canja expressionista abstrata -aprendeu a tirar força de cores vivas e formas indefinidas, como mostra em seu ateliê uma tela de 1966.
Nesse ano, porém, ela teria a grande reviravolta de sua carreira. Saiu do Brasil, viveu quase dois anos na Europa e, casada com o artista e designer Julio Plaza, foi depois morar em Porto Rico.
``Foi ali que comecei a conhecer diversos meios, da fotografia ao computador", diz Regina, ``e a jogar com as perspectivas a partir de imagens impressas. Passei a ser uma multimídia `low-tech', usando equipamentos simples para pesquisar a natureza da representação visual." Ou seja, começou a criar o trabalho que hoje a caracteriza.
O computador logo a interessou, mas ela rejeita a mania contemporânea de olhá-lo como um revolucionário sócio-econômico de poderes sobre-humanos. ``Me aproximei dele", diz, ``como me aproximo de qualquer meio, do lápis ou da borracha."
Lápis, borracha, régua, esquadro, fotografia, design, arquitetura, computador -tudo que oferecesse recursos gráficos caía nas mãos de Regina desde os anos (1969-1973) em Porto Rico.
``A perspectiva tradicional permite um escopo muito limitado para observar os objetos", diz, ``e o computador, claro, me interessa por suas possibilidades gráficas."
Dessa pesquisa nasceu um interesse pela projeção. Não importava mais o objeto, mas as variações que suas sombras podiam sofrer quando se variavam os pontos de fuga nas três dimensões.
Regina descobriu o ambiente em 1982. ``A relação olho/lugar é infinita", resume, mostrando um desenho em que tomou a imagem de um móbile, prolongou-a e torceu-a nas três dimensões e obteve uma nova figura, comprimida em vértice. Quanto mais distante da forma original, quanto mais afunilada, melhor a projeção obtida.
``Há um lado expressivo muito forte no meu trabalho", afirma. ``Gosto do que Leonardo da Vinci chamava de `aberrações marginais', de buscar o limite da distorção." Só assim é possível, conclui-se, revelar o que ela chama de ``tirania dos objetos".
No AS Studio você pode entender o que ela quer dizer com isso. Cadeiras, garfos, cabides, carrinhos de chá, mesas, camas e sofás passam numa malha de retas e curvas e vão sendo decupados topologicamente: continuam parecendo ser o que são, mas já não são a mesma coisa.
Com essa distorção calculada, Regina pode recriar um escritório ou apartamento, projetando-o no chão com suas mobílias. E dispor no ambiente essas projeções gráficas (sobre lonas ou tábuas) de modo que o observador se sinta entrando nelas.
O perspectivismo bidimensional cria a ilusão tridimensional. ``É como se você estivesse andando sobre a planta arquitetônica", define Regina, ``e se sentindo dentro do ambiente que ela reproduz."
Os frequentadores da exposição ``Arte/Cidade" no ano passado, em São Paulo, sabem do que ela está falando. No andar de um prédio abandonado, ela colocou sobre o chão um grande desenho preto e branco, em forma de trapézio, que era um retrato em perspectiva da fachada do mesmo prédio.
Encostado na parede, o desenho parecia projetar as janelas; quem o olhava de frente pensava estar olhando do alto do prédio para baixo. Uma sensação de vertigem criada com esquadros.
E Regina vai além. Não bastasse todo esse poder de contestar nosso senso espacial, ela acrescenta críticas e alusões a seu trabalho. O universo da publicidade, com suas imagens enganosas, e o da vida doméstica, com sua falsa estabilidade, são alvos dele.
Tudo isso é o que tem fascinado os visitantes da galeria LedisFlam, em Nova York, onde Regina expõe anualmente. E vai fascinar os brasileiros. Afinal, os ocidentais acreditam que o conhecimento se baseia nos sentidos. Regina Silveira mostra que não conhecemos nem sequer nossos sentidos.

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