São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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Cultura é a única TV pública que deu certo

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A falência do governo do Estado atinge agora a TV Cultura. As 250 demissões efetivadas, acrescidas de outras 150 ainda por vir, ameaçam a continuidade da programação produzida pela emissora.
É no mínimo triste assistir ao desmonte da única emissora pública do país que se mostrou apta a competir por audiência e com qualidade. É incrível que uma emissora do prestígio e porte da Cultura, com um orçamento de US$ 57 milhões esteja em uma posição tão vulnerável.
A falta de recursos já praticamente paralisou a linha de produção de infantis. Os últimos episódios do ``Castelo Rá-Tim-Bum" foram gravados no fim do ano e já estão sendo repetidos pela terceira vez. Não há nenhum substituto à vista.
A produção de documentários foi drasticamente reduzida. A aquisição de programação estrangeira está suspensa. Agora, até mesmo os programas jornalísticos e culturais como o ``Vitrine", o ``Metrópolis" e o ``Opinião Nacional" estão ameaçados.
A TV Cultura conquistou ao longo dos últimos anos um público cativo com uma produção premiada. Em alguns horários, a emissora se consolidou como a terceira em audiência. Os telespectadores se acostumaram com um ``padrão Cultura de qualidade", que inclui uma ousada programação infantil que atinge picos de 10% de audiência, uma rara linha de documentários e um jornalismo pluralista.
Inclui também uma ainda tímida parceria com a produção independente. Diante da incapacidade do governo do Estado em sustentar sozinho essa programação, é o caso de se pensar formas alternativas de financiamento.
Nos últimos anos, a TV Cultura abriu a possibilidade de receber recursos da iniciativa privada. Na falta de leis que incentivem o investimento, esses apoios ainda correspondem a uma percentagem irrisória dos gastos da emissora.
É o caso de se pensar em iniciativas mais agressivas. Se a empresa pode ser competitiva em termos de audiência, ela tem que se tornar competitiva também em termos comerciais. Talvez esteja faltando uma boa política de marketing que valorize seus produtos no mercado interno e externo. Falta agressividade na exportação e na co-produção com emissoras públicas estrangeiras. O sucesso precisa reverter em estabilidade financeira.
O problema da TV Cultura não é só dos funcionários ameaçados. O atual equacionamento da crise na forma da descontinuidade da produção e de demissões feitas a quatro paredes reflete um certo desrespeito com o próprio sucesso conquistado.
Nos Estados Unidos, as emissoras públicas contam com colaboração direta e voluntária dos telespectadores. É provável que os recursos arrecadados dessa forma estejam longe de sustentar as emissoras. Mas eles certamente simbolizam o apoio dos telespectadores a seus programas prediletos. E sinalizam bons investimentos a patrocinadores.
Seria bom que se equacionasse esta crise fugindo da tentação corporativa e buscando traduzir em recursos o respaldo conquistado no Ibope.

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