São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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Um novo tipo de greve

FLORESTAN FERNANDES

É um erro ver as greves que estão sacudindo o país com os olhos postos no passado. Sindicalistas e dirigentes das organizações sindicais que apóiam a CUT (Central Única dos Trabalhadores) sabem que está em jogo um novo padrão de relação dos operários com a sociedade e o sistema de poder.
O governo busca preservar e manter intocável sua capacidade de decisão. No momento, o capital oligopolista automatizado compele o Estado a garantir-se um grau de autonomia sem precedentes. Por isso, surgem sinais que expõem a insegurança do poder central.
O governo sente-se ``ameaçado", mas não diz ``por quem" e ``no que". Precisa realizar uma transição delicada e passar para uma nova situação, na qual deverá imprimir continuidade a controles sociais tradicionalmente marcados por interesses e valores das classes dominantes.
As greves em curso revelam que as expectativas das elites -confiando que o governo ``cumpra o seu dever"- não se alteraram. Isso significa que ele deve investir-se de todo o poder para manter a ordem e compelir os trabalhadores a aceitar, sem ``resistências perturbadoras", o que lhes é imposto em nome do ``bem coletivo".
Inquietos, administradores estatais e empresários da livre iniciativa procuram reduzir ao mínimo suas manifestações. Não por que estejam presos a ideais democráticos novos. Pretendem, assim, deixar o espaço à fala do Estado, que deve vir através do governo.
Há preocupações pela ordem em todos os setores, agravadas artificialmente pela mídia, como forma de pressão sobre o movimento operário e sindical no contexto de sua redefinição.
Mas acredita-se que o governo tenha meios para resolver os problemas criados pela exacerbação de algo que parece velho, mas todos sabem em ``que" e ``por que" é novo. Se preciso for, essa confiança passará sobre a ``lei" e sobre seus ``agentes".
A angústia aparece na polaridade operária e sindical do antagonismo de classes. Para os trabalhadores e suas organizações, o desafio está em manter limites nos conflitos sem anular o ``poder operário", por mais frágil e insignificante que ele possa ser.
Não conceder espaços sem lutas, no limite da ordem existente, nem permitir a presença de novas formas patronais de opressão e coação, na lógica do capital oligopolista imperante nos EUA, Europa e Japão.
Mais que uma greve, desenrola-se um drama. O padrão estabelecido dá vigor a interferências do governo em favor do pólo privilegiado. Em vista do capital oligopolista automatizado repudiam-se tais interferências. Temem-se oscilações que agravem o controle arbitrário ``a partir de cima" e, sobretudo, as tendências a congelar a greve como expressão da luta de classes.
Aqui está o coração da nova realidade. Ou a greve sobrevive por eficácia própria, ou se reequaciona como padrão válido de forças sociais opostas em uma sociedade democrática.
Os sindicalistas condenam as relações selvagens. Elas só servem aos desígnios espúrios da antidemocracia, ocultos por trás da anulação da greve, como ``ato de vontade" do governo ou da onipotência da ``razão do capital". Querem a solução da greve como produto claro da livre negociação, reconhecida como tal pelos contendores.

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