São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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O brasileiro e o sérvio

LUIZ CAVERSAN

Erramos: 31/05/95
Embora a qualificação precisa de Harley Alves, tomado como refém na Bósnia, seja capitão do Exército, aceita-se também a designação utilizada na coluna de Luiz Caversan publicada à pág. 1-2 ( Opinião) de anteontem -a de soldado, como sinônimo de militar.
O brasileiro e o sérvio
RIO DE JANEIRO - A imagem do soldado brasileiro das forças da ONU (Organização das Nações Unidas) feito refém pelos sérvios, mostrada fartamente pelas TVs, chocava pelo fato em si, hediondo, de homens estarem servindo de escudo de guerra, mas também por nos aproximar de uma guerra que nós, os brasileiros, julgamos não nos dizer respeito.
Diz respeito, sim, não apenas pelo soldado Alves, o brasileiro.
Em tempos de infovias, realidades virtuais etc, impossível achar que alguma coisa que acontece logo ali na Europa, não diz respeito aos demais cidadãos do mundo. A hipocrisia dos países europeus ao tentar ignorar o conflito da ex-Iugoslávia é irritante.
Toda aquela violência, todos aqueles corpos, toda aquela destruição ocorre não em algum cantão remoto do planeta, mas ali, no centro do velho continente, em meio às grandes potências que se aproximam cada vez mais no processo de unificação européia.
Mesmo assim, ali está a vergonha escancarada da guerra no quintal de todos, que fazem questão de virar o rosto para o outro lado. O problema é este: não há o outro lado quando se domina as novas tecnologias e quando a velocidade dos meios de comunicação impossibilita o isolamento comodista.
Alguma coisa a ver com a nossa pequena guerra daqui, do cotidiano conflagrado de um Rio de Janeiro cindido entre ricos legalistas e miseráveis fora-da-lei?
Tudo a ver.
Há uma certa perversidade na globalização em voga. Da mesma forma que se pode interferir no que acontece do outro lado do mundo, como no mercado de capital por exemplo, a violência ``deles" se aproxima e é cada vez mais semelhante a nossa. Parece até que a Internet padroniza os estilos.
Os discursos e procedimentos se assemelham: o sérvio acorrenta o soldado no depósito de armas, o nosso general aqui diz que deve-se atirar primeiro e perguntar depois. Afinal, guerra é guerra e, como no velho bangue-bangue, é matar ou morrer.
O soldado Alves, brasileiro da força de ``paz" está lá refém nas mãos dos sérvios. Para ele há um consolo, porém: sua triste condição nos faz perceber que estamos todos a mercê da violência cada vez mais presente. E não adianta virar o rosto, porque a modernidade traz todos os horrores para o nosso quintal.

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