São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995
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O acordo pela exclusão

ALCIDES MODESTO

Em recente audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara Federal, os ministros da Agricultura e da Fazenda ``surpreenderam" os parlamentares dos partidos progressistas ao formular discurso afinado e conclusivo sobre a postura do governo sobre os financiamentos rurais. Afirmaram que, até por conta dos impactos desestruturantes da crise fiscal sobre o modelo agrícola vigente, o governo só disponibilizaria recursos públicos para o financiamento dos setores da pequena produção rural.
Nada mal; afinal, governo e grandes produtores rurais dariam tradução prática aos seus discursos liberais, firmando o sagrado pacto pelo mercado e, de quebra, atenderiam a uma histórica reivindicação dos pequenos produtores e trabalhadores rurais relativa à destinação dos (hoje parcos) recursos do Tesouro para esses segmentos.
Sinalizando a concretude dos discursos, o presidente da República, através da mensagem nº 195/95, enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 1996 (PL nº 3-CN), no qual acham-se consagradas: 1) a exclusividade dos financiamentos de custeio e investimento para míni e pequenos produtores rurais (art. 24, parágrafo 2º); 2) a possibilidade de concessão de subsídios agrícolas exclusivamente para as operações realizadas no âmbito do Proex e as demais operações de financiamento realizadas com míni e pequenos produtores rurais (art. 20, parágrafo 2º).
O recente acordo (25/05) celebrado entre o presidente e as lideranças da bancada ruralista sobre as regras do financiamento para a próxima safra denunciou a farsa da retórica oficial, jogando no lixo as expectativas por um início da democratização da política agrícola brasileira.
Até para poupar o leitor, é preferível não nos aprofundarmos sobre o lamentável processo de barganha que gerou o referido acordo, em nome do qual migraram para os bolsos as consciências de vários parlamentares em troca do apoio acrítico dos mesmos às reformas neoliberais da Constituição.
Por que os termos do acordo são lesivos aos pequenos produtores?
1) A elevação do patamar da renda anual para o enquadramento na condição de pequeno produtor (de R$ 22 mil para R$ 30 mil) permitirá que latifundiários improdutivos sejam considerados pequenos, assim apropriando-se dos recursos reservados aos mesmos em taxas favorecidas de encargos. Na região Sul, por exemplo, onde temos uma agricultura relativamente forte, a renda bruta anual de um pequeno produtor, quando muito, atinge os R$ 10 mil. Imagine-se nas regiões Norte e Nordeste!
2) Os limites de financiamento foram fixados em R$ 150 mil por lavoura, admitindo-se até cinco produtos, o que daria o limite total de R$ 750 mil por produtor. Documento oficial do Banco do Brasil informa que 223.602 dos contratos atuais de crédito junto àquele banco (56% do total) envolvem recursos na faixa de até R$ 10 mil apenas. Portanto, os limites ora definidos confirmam o privilegiamento dos grandes tomadores do crédito.
3) A extensão para os grandes produtores da taxa prefixada de 16% de juros ao ano exigirá o aporte, pelo Tesouro, de recursos da ordem de R$ 930 milhões a título de equalização, ou seja, três vezes mais do que todo o subsídio conferido no financiamento da safra presente. Com isso, haverá uma transferência direta de recursos do Tesouro exclusivamente destinados para pequenos produtores (segundo a proposta do governo para a LDO) para a cobertura das referidas necessidades de equalização.
4) Combinando-se os efeitos dos itens anteriores, haverá o impedimento do acesso dos pequenos produtores a fontes de financiamento com recursos captados no mercado, como é o caso da poupança rural, que responde atualmente por 44% do total dos recursos. Erodindo-se os recursos do Tesouro em benefício dos produtores de maior porte, como se equalizariam os recursos da poupança eventualmente destinados aos pequenos?
5) Na safra 1994/95, os contratos com miniprodutores estavam isentos da TR, incidindo apenas juros de 4% ao ano (Provape) ou 6% ao ano nas operações normais, via Sistema Nacional de Crédito Rural. Portanto, para essa categoria de produtores (os economicamente mais empobrecidos do setor) haverá um incremento considerável dos custos dos financiamentos, enquanto para os grandes haverá a redução desses custos.
6) Por fim, mas não por último, cabe denunciar a radicalidade da insensibilidade e desrespeito comuns -governo e bancada ruralista- para com os subalternos da área rural, ao decidirem que os recursos do FAT (dinheiro do trabalhador) serão extensivos a todas as categorias de produtores, quando o conselho daquele fundo já havia deliberado aplicar R$ 950 milhões exclusivamente para míni e pequenos produtores.
É bom que o governo não se iluda. Os trabalhadores e pequenos produtores rurais podem não ter a sua bancada parlamentar na dimensão que a têm os latifundiários e segmentos patronais da agricultura. Têm, no entanto, a consciência sobre a origem do quadro de opressão e miséria a que historicamente estão submetidos, e muito mais: têm a disposição de luta pela reversão desse quadro.
Seja bem-vindo o ``Grito da Terra Brasil", movimento nacional dos trabalhadores rurais que ocorrerá no período de 5 a 16 de junho.

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