São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995
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De rabo preso com o leitor

LUÍS NASSIF
DE RABO PRESO COM O LEITOR

Desde o início de maio, a coluna meteu-se na tarefa ingrata de tentar alertar as autoridades para o desastre que poderiam provocar com o arrocho monetário e creditício implantado pelo Banco Central.
Tentou alertar que os indicadores econômicos não eram suficientemente ágeis para captar a violência com que a nova política de juros se refletia sobre a economia.
Tentou explicar que o corte do crédito, de uma violência muito acima do razoável, provocaria mudança tão drástica no regime da atividade econômica que os indicadores anteriores perderiam o significado como instrumentos de análise do comportamento futuro da economia.
Tentou alertar que, nesse quadro inédito, o conhecimento do mundo real, da estrutura de capital de giro das empresas e a busca de informações fora do ambiente das empresas capitalizadas eram instrumentos fundamentais para que o Banco Central pudesse monitorar melhor os seus passos.
Tentou explicar que taxas de juros dessa ordem quebrariam definitivamente o Estado, inviabilizando qualquer tentativa futura de ajuste fiscal sem calote.
Fez os alertas com estardalhaço, com agressividade até, porque julgava que, quanto mais demorasse para as autoridades econômicas se darem conta da situação, maior seria o estrago causado à economia.
Houve setores de boa vontade, que não estão presos a interesses políticos e a preconceitos ideológicos, que levaram em conta os alertas. Houve setores que preferiram minimizá-los, sob a alegação de que se pretendia substituir o conhecimento científico pelo senso comum. Balanço
Limito-me a transcrever análises e notícias divulgadas ontem pela imprensa:
``A apreensão quanto ao estado da economia, que ganhou força nas últimas semanas, talvez tenha soado estranha para algumas pessoas, na medida em que parecia contrastar com os dados que vinham sendo divulgados, como o impressionante crescimento anual de 10,5% do PIB no primeiro trimestre (...) Mais do que apenas inquietante, este é um cenário bastante diferente do que se imaginava há pouco. E alerta para a necessidade de que o país se acostume com o dinamismo e a volatilidade estonteante que, cada vez mais, caracteriza a atividade econômica contemporânea (editorial da Folha)."
``Surge o primeiro sinal de que o governo talvez tenha aplicado uma dose excessiva de anticonsumo. Os estoques de automóveis aumentaram 50% de abril para os primeiros vinte dias de maio (Clóvis Rossi, na Folha)."
``Os insistentes protestos de muitos setores contra as taxas de juros têm sua razão de ser. O Banco Central vem praticando juros extravagantes, que ameaçam causar danos difíceis de reparar a muitas empresas, às finanças federais e a diversos governos estaduais (...) Como negar que haja algo fundamentalmente errado com uma política econômica que só se viabiliza com juros dessa magnitude? (Paulo Nogueira Batista Jr., economista do PT, na Folha)"
``O governo está preocupado com a crise de liquidez provocada pela puxada das taxas de juros e pelas medidas de política monetária (...) O CMN fará um novo ajuste na política monetária para evitar o estrangulamento da produção (Beatriz Abreu, no ``Estado")."
Encerro com a lição de Clóvis Rossi: ``Há duas maneiras de se reagir ante os números esgrimidos pela Anfavea: desprezá-los como ``choradeira" típica de empresário ou parar para pensar um pouco. Pensar é sempre melhor, ainda que seja para concluir depois que é `choradeira' mesmo".
Licença
A coluna tira licença de dez dias, preocupada com a situação, mas consciente de que não fez alarde em vão. E certa de que a postura e a agilidade da Folha para mapear a situação e seu inconformismo de não se limitar aos canais oficiais de informação constituíram-se em mais um serviço público para o país.

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