São Paulo, sexta-feira, 2 de junho de 1995
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"Martha" interpreta os sentidos da paixão

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!

Em "Martha", filme realizado por Rainer Werner Fassbinder em 1973 e que só agora estréia no Brasil, o diretor alemão mete o espectador no labirinto que conduz da paixão ao desastre.
Trata-se de um ótimo exemplar do projeto de Fassbinder de recuperar a natureza hiperbólica dos afetos no melodrama hollywoodiano -"À Meia-Luz", de George Cukor, é aqui a principal referência- para enfatizar a ameaça do poder dos sentimentos.
Fassbinder narra as agruras de Martha (Margit Carstensen, perfeita), uma bibliotecária de 31 anos que perde o pai durante umas férias em Roma. Ameaçada pela solidão e seus fantasmas, apaixona-se por Helmut, um distinto engenheiro, num caso típico de amor à primeira vista, que vai transformar sua existência num inferno.
Parodiando estruturas psicanalíticas Martha escapa da jaula construída por seus pais para repetir a forma de satisfação de seu desejo nas mãos do sádico Helmut.
E esse desejo adquire em "Martha" uma das expressões mais físicas de toda a obra do diretor. Um belo travelling circular mostra o primeiro encontro, acentuando a vertigem que toma conta da personagem. E, numa sequência de máxima crueldade, Martha encara o pavor numa montanha-russa e ao sair, vomitando, ouve de Helmut: "Você quer se casar comigo?"
Para fugir do estigma de ser uma solteirona, Martha recebe com devoção as ordens de Helmut, entre elas a de decorar um livro de engenharia civil "para ter assunto para conversar com ele.
"Martha" não fornece nenhuma forma de solidariedade ou identificação, pois não há, de forma clara, vítimas nessa história. Do ponto de vista que Fassbinder narra, Martha busca esse destino tanto quanto seu algoz.
Em uma entrevista à época do lançamento do filme Fassbinder afirmou: "Se, no fim do filme, Martha não é mais capaz de viver sozinha, ela alcançou seu objetivo... O filme conta esta história: como essa mulher alcançará a felicidade?..."
O sorriso de Martha no final confirma que ela alcançou seu ideal. Felicidade, na visão pessimista desse autêntico alemão, é a mais eficaz e cruel das armadilhas.

Filme: Martha
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Produção: Alemanha, 1973, 112 min.
Elenco: Margit Carstensen, Karlheinz Bõhm
Onde: a partir de hoje no Cinesesc

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