São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Rezas unem orações em latim a ritmos africanos

AURELIANO BIANCARELLI
DO ENVIADO ESPECIAL

Maria Roberta de Souza Oliveira é a matriarca da comunidade de Jawari, às margens do Erepecuru, um dos afluentes do Trombetas. Tem 60 anos, 13 filhos e um número desconhecido de netos.
Aprendeu quando menina as rezas dos seus bisavós. Mistura ladainhas em latim com ritmos africanos e trechos de cantigas portuguesas. Seu marido, Francisco Melo, 67, já foi o maior benzedor da bacia do Trombetas. ``Enquanto ele esteve bom, ninguém caiu doente nesses rios", diz Maria.
Tudo ali se movimenta através do rio. Quando as mulheres dão à luz, assistidas pelas parteiras, os homens ficam ao lado do barco esperando pelo pior. As notícias e as visitas só chegam pelas águas.
No sábado passado, as crianças de Jawari olhavam para o rio esperando pelo padre Raimundo, que chegaria no dia seguinte. Uma grande festa estava sendo preparada. As mulheres faziam o beiju, um bolo de massa de mandioca. E quatro porcos-do-mato e um tracajá tinham sido caçados.
Padre Raimundo vem a cada dois meses. Reza missa, dá a bênção e carrega as crianças no colo.
A vida nas comunidades negras do Trombetas repete o cotidiano de um século atrás. A pesca e a caça servem apenas para subsistência. Em algumas comunidades, ainda se pesca com arco e flecha.
Na época da colheita da castanha, as famílias chegam a passar semanas nos castanhais, distantes até dois dias de barco. As frutas caem em ouriços do alto das árvores, e são abertas a facão.
Os ``patrões" pagam R$ 8,00 pela caixa de 43 quilos, um quarto do que se paga na cidade. Ainda assim, é da castanha que vem a principal renda das comunidades.
A mandioca acompanha todos os pratos. Nas festas tradicionais, como a de São João, as mulheres preparam bebidas de mandioca com receitas dos seus avós. Como a tarubá, a ``maniquera" e a caiçuma, feita com mandioca e batata, aprendida com os índios.
(AB)

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