São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Constituição destaca os quilombos e quilombolas

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O exame do fenômeno dos quilombos se acentuou, sobretudo no ano passado, a contar das reminiscências dos 300 anos da destruição de Palmares. Predominaram os enfoques antropológicos, históricos e sociológicos, com incursões -às vezes baratas- pela avaliação psicológica dos participantes daqueles movimentos.
Meu objetivo neste comentário consiste em fornecer um perfil jurídico atual dos quilombos e dos quilombolas, tendo em vista que a Constituição de 1988, pela primeira vez no desenvolvimento jurídico do Brasil, lhes deu atenção. Assim, minha preocupação é estrita, vinculada ao campo do direito e à atualidade, porquanto (salvo erro) ninguém deu atenção específica ao tema, do qual tratei, na Subcomissão do Negro, na OAB-SP, em encontro realizado em 1994.
Enquanto o índio recebeu, ao longo dos anos, tratamento diferenciado de grupos nacionais e internacionais, o negro só teve o reconhecimento constitucional de sua participação na formação da nacionalidade na Carta de 1988, que lhes faz duas referências.
A primeira não diz respeito à pessoa dos negros, mas aos documentos e lugares onde se encontram reminiscências de sua instalação, depois de escaparem das senzalas. A preservação do patrimônio cultural com as referências caracterizadoras de identidade, ação, memória dos grupos formadores da sociedade nacional, despertaram o interesse do constituinte, levando-o à menção dos quilombos no artigo 216.
A segunda surge no artigo 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e afirma o direito de propriedade dos remanescentes dos antigos quilombos sobre áreas que ainda ocupem. Não se trata de preservação do passado, mas garantia no presente e para o futuro, de proteção específica a certas e determinadas pessoas, encontradas nas antigas terras onde houve quilombos.
Tombamento
O capítulo da Constituição dedicado à educação, à cultura e ao desporto, inclui, no artigo 215, a garantia do pleno exercício dos direitos culturais e de acesso às fontes da cultura nacional. O artigo 216 inclui, no patrimônio cultural brasileiro, sítios de valor histórico, o que explica o tombamento de todos os documentos e áreas históricas onde houve antigos quilombos.
Tombamento é o ato administrativo pelo qual uma área certa e determinada ou determinável fica sujeita a restrições severas quanto a qualquer modificação nela introduzida, restringindo o exercício do direito de propriedade.
A sociedade se beneficia do tombamento, pois garante importantes bens históricos relacionados com a presença do negro, no Brasil colônia e nação independente. O Estado tem o dever de preservar esses locais e documentos, de modo a resguardar a memória dos quilombos.
Propriedade
O artigo 68 do ADCT diz que ``aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". O reconhecimento independe de lei posterior, mas falta determinar quais são os proprietários, ou seja, quem é remanescente das comunidades quilombolas e ainda ocupa suas terras.
A União, depois de ouvidos os interessados, expedirá títulos reconhecendo a propriedade existente em 5-10-88 (data da Constituição) para permitir o respectivo registro imobiliário.
O ADCT aplica à propriedade o adjetivo ``definitiva". Entendo que se trata de propriedade inalienável. Os sucessores dos grupos de remanescentes quilombolas, existentes em 1988, ou continuarão a ocupá-las, ou terão o dever de as preservar, mas não poderão vendê-las.

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