São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Bradesco mantém lucro ampliando serviços

JOSÉ ROBERTO CAMPOS; FIDEO MIYA
DA REPORTAGEM LOCAL

O cerco aos empréstimos e o aperto no dinheiro em circulação promovidos pelo governo não deverão tirar o costumeiro brilho dos balanços dos bancos. Cerceados severamente em suas operações clássicas -como o crédito- eles assistiram uma explosão na área de serviços.
Este é o caso do Bradesco, o maior banco privado do país. Suas operações com seguros cresceram 70% no primeiro trimestre, seus fundos de previdência privada dobraram de tamanho e a carteira de cartões de crédito continuou crescendo mesmo após as medidas anticonsumo, revela seu presidente, Lázaro de Mello Brandão.
``Estamos defendidos com estas áreas de uma performance um pouco mais sacrificada nas áreas tradicionais", diz. O sacrifício tornou-se visível quando uma onda de inadimplência atingiu o comércio e desaguou nos bancos.
A inadimplência pulou de 1% para 4% no Bradesco, uma proporção ``nada desestabilizadora", segundo Brandão. Em décadas de experiência no setor, ele confessa que nunca viu aperto tão forte e generalizado para reduzir a matéria-prima dos bancos: o dinheiro.
Abaixo, os principais trechos da entrevista de Brandão à Folha:

Folha - O sr. acha que o governo exagerou na dose dos juros para frear o consumo?
Lázaro de Mello Brandão - Acho que ele acabou sendo presa novamente, na busca da estabilização, da política monetária como ponto quase que exclusivo. Ele está acionando a política monetária com as restrições de crédito e com os compulsórios e também com os juros elevados para desativar a economia que está acelerada e complicaria o Plano Real.
Folha - Há risco de recessão caso esta política seja mantida?
Brandão - É um desdobramento que pode ocorrer. O que o governo tem dito é que está atento para, na hora correta, aliviar o aperto, criar condições para distendê-lo se estivermos caminhando para a recessão. Se o governo não adotar medidas corretivas para melhorar a liquidez o risco existe. Mas o governo sabe disto.
Folha - Esta política está dando resultados?
Brandão - Não dá para negar o sucesso. O governo ainda entende que o consumo está um pouco aquecido. O governo também tem os índices em que se apóia para fazer a avaliação. Depois, ouve o comércio, que acha que a coisa já não tem essa aceleração que o governo declara.
Folha - O sr. se recorda de alguma época em que a política monetária esteve tão apertada e os juros tão altos?
Brandão - Não me lembro, particularmente, pelo fato de o governo ter sido criativo e gravar inclusive o compulsório sobre empréstimos.
Folha - Isso nunca ocorreu?
Brandão - Nunca, não me lembro de nada parecido. E colocaram uma cunha fiscal também nos empréstimos, aumentaram o IOF sobre operações de pessoas físicas. Quer dizer, limitaram o prazo de financiamento, depois na área de cartões cancelaram qualquer tipo de rotatividade do crédito.
Folha - Qual foi o grau de inadimplência dos clientes do Bradesco?
Brandão - Os níveis de inadimplência mais ou menos quadruplicaram em relação a um período normal -passaram de 1% para 4%. Não há nenhuma desestabilização sob esse aspecto, porque os empréstimos sempre eram feitos em prazo curtíssimo, de semanas ou de 30 ou 60 dias.
Folha - O Bradesco captou dinheiro no exterior para compor dívidas de clientes?
Brandão - Na terça-feira houve o desembolso de US$ 100 milhões captados do eurobônus que vieram justamente para ajudar essas recomposições com empresas, pela resolução 63.
Folha - Quanto o Bradesco já recolheu de compulsório ao BC?
Brandão - Entre o que é remunerado, CDB ou poupança, e o que não é remunerado, como depósitos à vista, deve girar em torno de US$ 4 bilhões.
Folha - Isso representa quase um terço dos empréstimos do Bradesco?
Brandão - É, os empréstimos estão na casa de US$ 11 bilhões hoje.
Folha - A maioria das pessoas acha que juros altos beneficiam os bancos. Os bancos vão ter melhor desempenho?
Brandão - Os depósitos à vista estão todos paralisados no Banco Central, não são remunerados e têm o custo de toda a malha de captação dos recursos. 90% são canalizados ao BC. Os outros 10% atendem a empréstimos rurais, também baseados nos depósitos à vista.
Folha - Qual será o desempenho do Bradesco?
Brandão - Os bancos, particularmente o Bradesco, estão montados num banco múltiplo. No banco múltiplo a área de serviços está se expandindo muito. A área da previdência privada, no trimestre, cresceu 100%; a seguradora, no trimestre, cresceu 70%; os cartões de crédito, com todas essas amarrações do governo, continuam crescendo.
Folha - Mesmo após março?
Brandão - Mesmo depois de março. Então, um banco múltiplo fica defendido com estas áreas diante de uma performance um pouco mais sacrificada. Isso dá ao banco a tranquilidade de que, historicamente, o que ele tem tido de retorno sobre o patrimônio não está, momentaneamente, afetado.
Folha - Qual o objetivo do aumento de capital que o Bradesco anunciou?
Brandão - Para investimentos, particularmente na área de comunicações e de informática, que absorve recursos crescentes. São processos que estão sempre sendo reformulados e ampliados. Só para dar uma idéia, na área de ATM (caixa automático) estamos chegando a 2.000. Fica muito claro para o banco, nesta fase, que a área de serviço é a que deve merecer a predileção de expansão.
Folha - O sr. vê alguma mudança importante que possa ser feita no câmbio?
Brandão - O governo teve vantagem quando fixou esse câmbio, foi um instrumento importante para combater a inflação e, realmente, ele trouxe produtos aqui competitivos e exigiu da indústria nacional uma adaptação, capacitação e eficiência muito grandes.
Folha - Como se comportará a inflação nos próximos meses?
Brandão - Deve ficar próxima dos números atuais. Estáveis ou relativamente estáveis.
Folha - Quanto aos juros, o sr. acredita que eles já chegaram ao máximo?
Brandão - Acho que sim. Acho que o próprio governo está se dando conta disso, não é?

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