São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Olhando para frente

ANTONIO KANDIR

Se tivesse de representar graficamente a evolução das expectativas, do início do mandato do presidente Fernando Henrique até este início de junho, o mais apropriado seria representá-la pelo movimento do carrinho na montanha-russa.
De fato, a posse do novo governo suscitou expectativas extraordinárias quanto à velocidade e suavidade do processo de reformas constitucionais e consolidação da estabilidade econômica.
Frente às primeiras dificuldades no Congresso e à turbulência cambial, no início de março, as expectativas "desabaram dramaticamente. Voltaram em seguida a reerguer-se, à medida que se consumavam vitórias do governo na reforma da ordem econômica e as piores previsões de crise cambial e aceleração inflacionária não eram confirmadas pelos fatos.
Talvez sofram agora pequeno "solavanco, com a saída de Pérsio Arida, mas não há por que não se estabilizarem logo mais, com Gustavo Loyola à testa do Banco Central.
A esta altura, vale a pena olhar com serenidade o que vem a seguir, quando mais não seja para evitar que prossigamos "ad infinitum nesse "sobe-desce desnecessário e perigoso.
Vamos entrar no segundo semestre com "ativos respeitáveis (aprovação, quase certa, de todas as emendas constitucionais da ordem econômica; retomada da entrada líquida de recursos externos; inflação em patamar permanentemente reduzido, pavimentando o terreno da desindexação); um "passivo de administração complexa (desequilíbrio externo e suas implicações na política monetária); e um conjunto de desafios novos para enfrentar (desindexação, prosseguimento da reforma constitucional, agora em pauta as reformas de natureza fiscal etc.).
Os "ativos são robustos o suficiente para permitir equacionar o "passivo acumulado e enfrentar os novos desafios com sucesso. Não só não estamos fadados a repetir o México e/ou condenados a uma política monetária que todos sabemos insustentável a prazo mais longo, como também temos todas as condições de dar passos decisivos na consolidação das bases da estabilidade e do desenvolvimento.
Para caminhar nessa direção, as reformas tributária, administrativa e previdenciária são fundamentais.
No caso da reforma tributária, para permitir maior eficiência e competitividade externa à economia brasileira.
No caso das reformas administrativa e previdenciária, afora objetivos específicos de cada uma, para retirar as despesas públicas, em definitivo, de uma trajetória claramente incompatível com a estabilidade, em especial por conta do aumento exponencial dos gastos com os inativos do setor público, na maior parte sorvidos por aposentadorias privilegiadas.
Por sua própria natureza, as reformas de natureza fiscal terão tramitação mais lenta, truncada e complexa do que as reformas da ordem econômica. Frente à previsível morosidade, há três ilusões de ótica a evitar.
Primeiro, criar fantasias quanto à possibilidade de aprovação de mudanças que só seriam possíveis em laboratório ou indesejáveis situações autoritárias.
Segundo, criar a fantasia oposta, ou seja, a de que nenhuma mudança importante no regime fiscal será possível dadas as limitações de natureza política (aqui é preciso lembrar, de um lado, que nem todas as mudanças no regime fiscal dependem de reforma constitucional, a exemplo da transferência de encargos e, de outro, que o limite do possível pode ser grandemente ampliado se houver competência política na condução do processo, já havendo, além disso, base de apoio suficiente para várias mudanças).
A terceira ilusão consiste em imaginar que eventual morosidade na tramitação das reformas criaria empecilhos fortes à boa gestão macroeconômica de curto e médio prazos.
A esse respeito, é decisivo notar que o governo dispõe de raio de manobra, instrumentos e talentos pessoais mais que suficientes para, deflagrado o processo de desindexação, equacionar adequadamente a relação entre as políticas cambial e monetária.
E, ao fazê-lo, instalar ciclo virtuoso em que a prudente flexibilização de ambas as políticas facilita a tramitação das emendas fiscais, por fortalecer a confiança no equilíbrio externo e aliviar o "arrocho monetário, e vice-versa.

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