São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Ajuste dos EUA é decisivo para latinos

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Seria bom demais para ser verdade.
As taxas de juros começaram a cair nos Estados Unidos, refletindo os indicadores de moderação no crescimento econômico.
Poderia ser o melhor dos mundos: juros menores, aliviando a carga sobre os países endividados, e crescimento moderado, favorecendo as exportações dessas mesmas economias endividadas.
Mas esse cenário econômico favorável começou a azedar no final da semana passada.
Os mais recentes indicadores mostram um desaquecimento econômico nos Estados Unidos que muitos analistas já se arriscam a chamar de recessão.
Se vier mesmo a recessão, mais uma guerra comercial com o Japão e novas ondas de instabilidade cambial, os países endividados enfrentarão mais dificuldades.
O efeito positivo das taxas de juros menores seria compensado pela redução nas exportações dos países em desenvolvimento. E o ajuste do dólar, que aliás ainda tem oscilado nervosamente nos últimos dias, abortaria a recuperação econômica no Japão, que assim também reduziria suas importações.
Mas entre o cenário róseo de taxas de juros baixas com crescimento e o cenário azedo de estagnação mundial com instabilidade cambial talvez exista uma terceira via.
Ocorreria uma redução ainda maior das taxas de juros nos Estados Unidos, aliviando mais os países endividados e em desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, esses países aumentariam suas importações, ou seja, estimulariam as exportações dos Estados Unidos.
Assim, a economia norte-americana poderia crescer, manter as taxas de juros baixas, mas sem sofrer novas desvalorizações do dólar. É mais ou menos o velho sonho dos anos 80 de uma globalização comercial com fortalecimento do bloco das Américas.
É também, surpreendentemente, um cenário em que as economias do sul também ajudam as economias do norte.
Nem guerra protecionista, nem mar de rosas. Mas para um modelo assim funcionar, as economias do sul teriam de apostar sem medo no aumento de importações, ou seja, na continuidade do modelo de liberalização comercial e financeira que vem sendo gradualmente montado desde meados dos anos 80.
Não é à toa que o FMI (Fundo Monetário Internacional) e diretamente o governo dos Estados Unidos ofereceram aos mexicanos e argentinos o maior pacote de apoio financeiro de que se tem notícia na história do continente americano.
É verdade que uma das condições para a superação da crise nesses países será um ajuste recessivo nos próximos meses.
Entretanto, passado o susto, com taxas de juros baixas lá fora e apoio institucional e político dos Estados Unidos, o modelo de abertura e integração pode voltar mais rápido do que muitos imaginam.
O Brasil, mais uma vez, ainda posa de patinho feio e parece titubear antes de apostar radicalmente na âncora cambial.
O evento mais importante de maio na América do Sul, entretanto, foi a reeleição do presidente argentino Carlos Menem -sob uma taxa de desemprego que se aproxima dos 14%.
O presidente Fernando Henrique Cardoso deve estar se olhando no espelho e perguntando: o que é que ele tem que eu não tenho?

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