São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Tramas de um suspense psiquiátrico

ISAIAS PESSOTTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A primeira impressão que tive, ao ler ``Trânsito", de Cláudio Csillag (jornalista e editor-assistente de "Ciências da Folha), foi a de ter sido fisgado pela promessa de mistério trazida, de saída, pela figura da protagonista. Depois, fui enredado pela hipótese teoricamente intrigante sobre tentativas de suicídio, situada com sutileza crítica, na convivência cotidiana pouco cordial de uma clínica psiquiátrica universitária.
Dali por diante, a trama se complica num crescendo sedutor e, apesar da sensação de descontinuidade em alguns pontos (por razões que só ficam claras nas últimas páginas), amarra o leitor até o final.
``Trânsito", portanto, supera a prova de fogo: é uma história capaz de enredar o leitor do início ao fim.
Para esse efeito contribui o hábil encadeamento de mistérios ``menores", ao longo da busca angustiante, pelo protagonista, de uma solução para o mistério maior. E na adesão ao leitor a essa busca reside a ``armadilha" maior do romance, pelo menos segundo uma das ``leituras" possíveis da obra.
É preciso não esquecer que a visão da realidade cotidiana, nessa obra, é uma visão amadurecida de psiquiatra. Por isso mesmo, uma das leituras pode prescindir dessa precaução e deixar-se seduzir pelo retrato cru de uma realidade urbana desgastante em que personagens, apenas fugazmente felizes, são impelidos pelas imposições de um cotidiano cinzento, numa intrigante roda-viva de apetites e relacionamentos.
Essa realidade ``externa" é mostrada com profundidade e com um realismo por vezes cru, principalmente nos episódios em que o protagonista busca as provas para sua tese a respeito do mistério original da trama.
Na descrição envolvente e quase sofrida dessa roda-viva, aparece a habilidade do autor. Mas é na apresentação, ainda mais sofrida, e até chocante, de uma realidade ``interna" dos personagens e do protagonista (e que só uma outra ``leitura" pode atingir), que se revela por inteiro o talento do autor. Por isso, a trama tem, na verdade, dois desfechos, segundo o tipo de leitura que se fizer dela.
Mais não se pode apontar aqui, para não roubar ao leitor as surpresas que o esperam. Um aspecto periférico de ``Trânsito", mas igualmente importante, é o seu retrato cru da loucura, despojada de todo o falso ``charme libertário" que leigos afoitos lhe têm atribuído.
Boa parte da narrativa poderia, talvez, ganhar leveza se o autor utilizasse mais diálogos e menos reflexões do protagonista.
A menos que, também na escolha preferencial dessa forma literária, tenha pesado a feliz duplicidade da trama.
Para concluir menciono um aspecto quase inquietante do romance: ele mostra meridianamente quanto é tênue a linha divisória entre loucura e normalidade. Mas não digo, para não privar o leitor de ``Trânsito", da liberdade de se apaixonar por Suzana, de escolher por quem torcer na disputa entre o Dr. Guilherme e o Dr. Rui, ou de sucumbir aos atrativos de Rodolfo. Tudo por sua conta e risco.

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