São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995 |
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Tramas de um suspense psiquiátrico
ISAIAS PESSOTTI
Dali por diante, a trama se complica num crescendo sedutor e, apesar da sensação de descontinuidade em alguns pontos (por razões que só ficam claras nas últimas páginas), amarra o leitor até o final. ``Trânsito", portanto, supera a prova de fogo: é uma história capaz de enredar o leitor do início ao fim. Para esse efeito contribui o hábil encadeamento de mistérios ``menores", ao longo da busca angustiante, pelo protagonista, de uma solução para o mistério maior. E na adesão ao leitor a essa busca reside a ``armadilha" maior do romance, pelo menos segundo uma das ``leituras" possíveis da obra. É preciso não esquecer que a visão da realidade cotidiana, nessa obra, é uma visão amadurecida de psiquiatra. Por isso mesmo, uma das leituras pode prescindir dessa precaução e deixar-se seduzir pelo retrato cru de uma realidade urbana desgastante em que personagens, apenas fugazmente felizes, são impelidos pelas imposições de um cotidiano cinzento, numa intrigante roda-viva de apetites e relacionamentos. Essa realidade ``externa" é mostrada com profundidade e com um realismo por vezes cru, principalmente nos episódios em que o protagonista busca as provas para sua tese a respeito do mistério original da trama. Na descrição envolvente e quase sofrida dessa roda-viva, aparece a habilidade do autor. Mas é na apresentação, ainda mais sofrida, e até chocante, de uma realidade ``interna" dos personagens e do protagonista (e que só uma outra ``leitura" pode atingir), que se revela por inteiro o talento do autor. Por isso, a trama tem, na verdade, dois desfechos, segundo o tipo de leitura que se fizer dela. Mais não se pode apontar aqui, para não roubar ao leitor as surpresas que o esperam. Um aspecto periférico de ``Trânsito", mas igualmente importante, é o seu retrato cru da loucura, despojada de todo o falso ``charme libertário" que leigos afoitos lhe têm atribuído. Boa parte da narrativa poderia, talvez, ganhar leveza se o autor utilizasse mais diálogos e menos reflexões do protagonista. A menos que, também na escolha preferencial dessa forma literária, tenha pesado a feliz duplicidade da trama. Para concluir menciono um aspecto quase inquietante do romance: ele mostra meridianamente quanto é tênue a linha divisória entre loucura e normalidade. Mas não digo, para não privar o leitor de ``Trânsito", da liberdade de se apaixonar por Suzana, de escolher por quem torcer na disputa entre o Dr. Guilherme e o Dr. Rui, ou de sucumbir aos atrativos de Rodolfo. Tudo por sua conta e risco. Texto Anterior: FRASES Próximo Texto: O esteta da província Índice |
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