São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Um debate entre a cruz e o divã

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 04/06/95
O professor do departamento de teologia e ciências da religião da Pnotifícia Universidade Católica de São Paulo Mario Sergio Cortella foi identificado erroneamente na legenda à pág. 5-10 do Mais! de hoje.
O debate ``O Desejo", entre o teólogo Leonardo Boff e a psicanalista Miriam Chnaiderman, no último dia 24, deixou a impressão de que religião e psicanálise estão falando línguas muito parecidas.
Boff usou termos psicanalíticos ao afirmar que muitas igrejas vivem da exploração do terror provocado pelo pecado. ``A culpa cria uma enorme dependência de superegos castradores que podem ser o pai ou a mãe e, fundamentalmente, a religião, que aterroriza as consciências."
Miriam usou o mesmo tema para inverter de vez os papéis na discussão: além da Igreja, segundo ela, a psicanálise colabora na manipulação da culpa. ``O núcleo do desejo não é a culpa, mas há uma certa psicanálise que privilegia também a culpa, tanto quanto a Igreja."
O debate, realizado no último dia 23, foi uma promoção conjunta da Folha e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Fez parte do ciclo ``Diálogos Impertinentes", que se estende mensalmente até novembro (veja programação ao lado).
Boff não é certamente um teólogo ortodoxo. Um dos teóricos da Teologia da Libertação, sempre insistiu em levar a sério a ``opção preferencial pelos pobres". Propõe um Igreja que atue nos movimentos sociais, cuide tanto do espírito quanto do corpo.
Essa insistência, aliada a críticas contra a hierarquia centralizada da Igreja, lhe custou uma punição do Vaticano em 1985 -foi proibido de lecionar e publicar textos sobre teologia- e o levou a abandonar o sacerdócio em 1992.
No debate, deu várias mostras de idéias capazes de espantar católicos tradicionais. Na interpretação do trecho da Bíblia em que Jesus transforma água em vinho, Boff encontrou um messias festivo. ``O maior milagre de Jesus é esse. Não foi transformar vinho em água, seguindo todos os ascetas. Foi transformar a água em vinho para que a festa nunca acabasse", disse, provocando aplausos.
O teólogo disse acreditar que a humanidade caminhe para uma ``nova aliança com a terra". Aliança que significa consciência ecológica e a igualdade social. ``Estamos cansados de holofotes, flores de plástico, ar refrigerado, o mundo de segunda e terceira mão", afirmou.
Miriam Chnaiderman ficou um pouco ofuscada pela capacidade de Leonardo Boff falar com desenvoltura. O teólogo definiu, na discussão, os temas centrais. A psicanalista foi mais hesitante.
Desvincular desejo e sentimento de culpa é um das tarefas contemporâneas, disse Miriam. ``Essa é uma das questões com as quais a psicanálise pôde contribuir, mostrando que qualquer objeto pode ser objeto do desejo e que perversão é um conceito jurídico. A culpa não é inerente ao humano, mas advém das formas de controle social", afirmou.
A psicanalista declarou ``espanto" frente ao que classificou de saudosismo de Boff -saudade da terra, da chuva, do vento- e afirmou que "é preciso repensar as formas do desejo hoje em dia.

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