São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Lista dos produtivos mostra regionalismos

LUIZ CARLOS M. MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 21 de maio passado, a Folha publicou a lista dos cientistas brasileiros cujos trabalhos causaram mais impacto entre seus pares do mundo todo no período de 1981 a 1993.
Esta relação foi feita a partir de uma base de dados do Instituto para a Informação Científica dos EUA e só foram incluídos na lista cientistas com mais de 200 citações no período acima.
Muito embora críticas sempre podem surgir com relação à metodologia da pesquisa realizada, é inegável que esta pesquisa nos dá um claro indicativo da situação do reconhecimento internacional de nossos pesquisadores.
Vale lembrar que é prática comum se utilizar deste tipo de pesquisa no processo seletivo de contratação de pesquisadores na maioria das grandes universidades e centros de pesquisa dos países desenvolvidos.
Mais importante, no entanto, nos parecem ser as conclusões que podemos tirar desta publicação no tocante à relação da ciência nacional com o quadro atual do país.
Para muitos, estas conclusões podem parecer óbvias. Porém, suas correlações com o quadro político e econômico do país, creio, são oportunas e pertinentes.
Debruçando-se sobre a pesquisa, podemos montar três quadros interessantes relativos às distribuições institucional, estadual e regional dos cientistas listados.
A distribuição institucional nos mostra, à semelhança do que ocorre com a distribuição de renda nacional, uma forte concentração de 44% destes cientistas trabalhando em apenas duas instituições, a saber, USP (33%) e UFRJ (11%).
Esta concentração fica mais evidente ainda quando observamos as distribuições estadual e regional dos cientistas.
A distribuição estadual nos diz que 78% dos cientistas relacionados na Folha trabalham em dois estados, SP (56%) e RJ (22%).
Estes números ficam mais gritantes na distribuição regional. As regiões Sudeste (80%) e Sul (10%) concentram 90% dos cientistas, enquanto que as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste contribuem com 5,5%, 2,5% e 2%, respectivamente.
Curiosamente, esta concentração regional é superior à que se observa na contribuição regional para o PIB nacional.
Neste caso, o Sudeste e o Sul juntos contribuem com aproximadamente 76%, e as outras regiões, com os 24% restantes.
Um outro aspecto interessante desses dados refere-se à distribuição dos cientistas entre os setores público e privado.
As instituições federais contribuem com 57,4% dos cientistas, enquanto que o setor público estadual de São Paulo contribuiu com 41,4% e o setor privado com um magro 1,2%.
Esta contribuição do Estado de São Paulo guarda uma estreita correlação com sua participação no PIB nacional.
Há que se destacar aqui que, dentre todos os Estados, somente o sistema estadual de São Paulo é que contribui com cientistas na referida lista.
Isto se deve a uma relativamente sólida e competitiva infra-estrutura estadual que se montou e vem sendo mantida ao longo dos anos.
Ao contrário da prática no setor federal, a política de desenvolvimento científico e tecnológico de São Paulo tem tido continuidade tanto na alocação de recursos quanto nos seus objetivos e metas.
Agregue-se a isto sucessivas administrações competentes que o setor estadual vem tendo, com forte participação de destacados membros da comunidade científica estadual.
Quanto à pequena participação do setor privado nos investimentos em ciência e tecnologia refletida na pesquisa da Folha, não é novidade alguma para nós.
Nossa cultura empresário-industrial é ainda uma cultura colonial, ou seja, muito mais predatória que competitiva. Esta constatação se reveste de grande atualidade face ao momento crítico que o país está passando na busca de um novo modelo de desenvolvimento.
O elemento central de competitividade de uma economia a nível internacional é a detenção do conhecimento científico e tecnológico. É ilusão imaginar que se compra tecnologia; tecnologia é instrumento de dominação e não de cooperação.
Abrir mão do binômio ciência e tecnologia significa desistir da concorrência e se tornar periférico no mundo moderno. Este trabalho da Folha mostra claramente o quadro atual de nosso despreparo para a competição internacional.
Isto é reforçado pela constatação de que nossas engenharias não se fazem representar na referida lista. Como poderá um país ser competitivo internacionalmente sem uma sólida base nas engenharias?
Esta ausência de representantes das engenharias reflete muito mais a ineficácia das políticas de apoio ao desenvolvimento tecnológico levadas a cabo até aqui do que a deficiências intrínsecas de nossos colegas das engenharias.
Com raras exceções, os grandes projetos nacionais não souberam ser eficazes nas suas políticas de formação e manutenção de recursos humanos na área tecnológica.
As exceções a esta atitude estão quase que invariavelmente sediadas no setor público como, por exemplo, o caso do desenvolvimento de tecnologia de prospecção de petróleo em águas profundas, levada a cabo pela Petrobrás.
Conforme sugeriu o professor Cerqueira Leite em seu lúcido artigo publicado na mesma edição de domingo da Folha, o país está nas vésperas de deslanchar um dos maiores projetos do mundo da atualidade, o projeto Sivam.
Seria uma oportunidade única de buscarmos a alavancagem de nossa tecnologia caso o conduzíssemos de forma diferente da atualmente proposta, envolvendo fortemente a competência tecnológica nacional.
Porém, está ficando cada vez mais evidente que não será ainda nos próximos anos que o país dará seu salto de qualidade. Nossa estrutura política ainda está impregnada do chamado coronelismo político e do corporativismo de setores empresariais tradicionais que impedem a modernização inteligente e a reversão dos desequilíbrios regionais.
Aos desequilíbrios regionais, tanto científico quanto econômico, que foram até aqui correlacionados, poderíamos agregar ainda o desequilíbrio de nossa representação política (veja gráfico). Fica evidente desta discussão que o país defronta-se com um quadro de grandes distorções, comprometedor de sua estabilidade.
As soluções para as correções deste quadro não são simples. Elas requerem uma forte dose de bom senso e comprometimento político, aliado a um amplo debate com a sociedade.
Seguramente, a precipitação na tomada de decisões de forma alguma nos proporcionará uma solução minimamente adequada.

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