São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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A encruzilhada da migração humana

JOSÉ REIS

Rigorosa redatação de restos fósseis de Homo erectus, antepassado do homem atual (H. sapiens), obrigará os especialistas a reescreverem boa parte de nossa pré-história.
Na edição de 25 de fevereiro de 94 da revista ``Science", Garniss H. Curtis e Carl C. Swisher, do Instituto para Origens Humanas (IHO), em Berkeley, comunicam, com seus colaboradores, que certos resíduos fósseis do Homo erectus encontrados em Java (Indonésia) são muito mais antigos do que se imaginava, igualando a idade geralmente aceita para o mais antigo membro dessa espécie -1,8 milhão de anos- na África.
Como explicar essa coincidência de idades numa espécie que se supunha haver partido muito depois de seu sítio original?
O quadro que, em geral, se aceitava da evolução do H. erectus apontava-o como surgido na África há uns 2 milhões de anos.
Ali se desenvolvendo, por volta de 1,4 milhão de anos criou a chamada cultura acheulense, caracterizada por implementos de pedra entre os quais se distinguia o machado de mão, bifacetado e em forma de gota de lágrima, muito adequado para cortar.
De posse desse instrumento, ele começou a migrar para outras terras, atingindo Ásia e Europa. Supõe-se que não se tratou de migração abrupta e em massa, porém em lenta expansão à medida que crescia a população.
Do leste da África à Indonésia, a migração teria durado 25 mil anos.
Mas, nos lugares da Ásia oriental por onde passou o H. erectus, não se encontram vestígios acheulenses, o que sugeriu várias explicações.
Uma das quais é a inexistência, então, dessa cultura, que ainda não se teria desenvolvido.
Outra explicação seria o abandono da cultura à medida que o H. erectus foi encontrando outros materiais, como o bambu, para trabalhar seus instrumentos.
Uma boa explicação para a migração sem instrumentos acheulenses reside na própria estrutura da espécie, muito maior e robusta, portanto mais capaz de armazenar alimento e água, além de maior ``acabamento" como bípede e andarilho.
Tudo isso explicaria a chegada do H. erectus a Java, mas cria outros problemas. Como compreender a presença do fóssil em dois lugares diferentes há 2 milhões de anos? Qual desses grupos teria originado o Homo sapiens?
Ou teria existido uma outra espécie ainda não descoberta, que representasse a origem dos modernos humano? Há quem suponha que durante muito tempo os especialistas hajam confundido, sob o mesmo nome, duas espécies distintas.
Os novos números de Curtis e Swisher parecem indiscutíveis, tão apurada sua técnica de datação.
Algumas dúvidas que ainda persistem sobre a descoberta dizem respeito ao material vulcânico que cobria os restos fósseis, mas são convincentemente rebatidas por Curtis e Swisher.
Se plenamente confirmados esses resultados, o H. erectus já estaria caminhando para fora da África muito antes do que estabelecia a teoria dominante. A viagem teria começado há 2 milhões de anos, isto é, uns 600 mil anos antes do desenvolvimento da cultura acheulense.
Há quem sustente que a espécie original teria sido a asiática, que teria migrado para a África, o que parece pouco provável pela ausência de vestígios de predecessores do H. erectus naquela região.

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