São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Para líder dissidente chinês, capitalismo leva à liberdade

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

Ex-líder do movimento pró-democracia de 1989, que terminou com o massacre da praça Tiananmen, o universitário Shen Tong trocou o entusiasmo do movimento estudantil pela esperança no capitalismo.
O desenvolvimento econômico vai trazer democracia à China, diz ele, um inimigo do Partido Comunista exilado nos EUA.
Há seis anos, no dia 4 de junho de 1989, as tropas do governo dispararam contra os manifestantes da praça Tiananmen (praça da Paz Celestial), no centro de Pequim, matando entre 200 e 1.000 manifestantes, segundo o governo e algumas entidades pró-direitos humanos, respectivamente.
Entre os principais líderes de Tiananmen estava o estudante de biologia Shen Tong.
Ele escapou depois do massacre e vive no exílio em Boston (leste dos EUA), onde se dedica à militância pela democratização da China e aos estudos de pós-graduação em ciência política e sociologia.
Shen Tong estuda os mistérios de uma China que em 1978 resolveu injetar capitalismo na economia para escapar do fracasso imposto pelas fórmulas comunistas.
Mas a veloz liberalização econômica contrasta com a manutenção do monopólio do poder nas mãos do Partido Comunista.
Shen Tong, 26, falou à Folha por telefone na semana passada, marcada pela repressão da polícia chinesa à comunidade de dissidentes na China devido à aproximação do sexto aniversário do massacre.

Folha - Seis anos depois, qual é a sua avaliação sobre o movimento pró-democracia de 1989 e suas consequências?
Shen Tong - Acho que a contribuição mais importante do movimento de 1989 para a história chinesa foi fundamentalmente deslegitimar o atual regime. Hoje as pessoas não acreditam no governo na China. Elas são pragmáticas.
Para o futuro as perspectivas são mais otimistas. Acho também importante dizer que o movimento foi um fracasso porque seus objetivos específicos, como a democratização, não foram alcançados.
Folha - Mas você diria que hoje a China está mais próxima ou mais distante da democracia?
Tong - Diria que está muito mais próxima. As pessoas hoje estão lidando com facilidade com suas maneiras de buscar a felicidade, diferente de antes, quando se esperava tudo do governo.
Esse é um aspecto típico de uma sociedade totalitária e que foi diminuindo significativamente nos últimos anos.
Mas o fim de um regime repressor não leva necessariamente a uma democracia. Pode haver caos.
Folha - A China então não estaria pronta para democracia?
Tong - Eu não diria isso. Mas há passos intermediários antes de chegarmos a uma democracia completa, estável.
Folha - Você concorda com a tese de que democracia como conhecemos no Ocidente não pode ser aplicada a sociedades orientais, que priorizariam os interesses da coletividade em vez das liberdades individuais?
Tong - Acho que isso é uma simplificação exagerada do debate se democracia é uma das características da modernização das sociedades orientais.
Eu acho que a idéia de democracia é universal. Agora qual a fórmula de democracia, como a sociedade vai funcionar, varia.
Folha - Você acha que terá a oportunidade de voltar a uma China democratizada?
Tong - Primeiro, não há dúvida que voltarei à China. Meu objetivo político é trazer liberdade para o povo chinês. Liberdade é o valor principal para mim. Não acho que democracia seja um fim em si mesmo, mas uma ferramenta para garantir a liberdade.
A democracia de estilo ocidental se mostrou até agora a melhor maneira para se garantir a liberdade, embora a democracia tenha vários problemas na esfera social.
Folha - Você disse que o movimento de 1989 fracassou no curto prazo. Quais foram os principais erros cometidos pelos líderes estudantis?
Tong - Todo o movimento de dissidentes ou de oposição não estava preparado para levar adiante uma tarefa de proporções tão grandes como a que se apresentou naquele momento.
Tudo começou como uma força para pressionar por mais reformas dentro do programa de reformas do governo, mas viramos oposição. Não estávamos preparados.
Mas diria que nos últimos seis anos nos preparamos melhor. Portanto, quando aparecer uma outra oportunidade para a China escolher um novo futuro político, e creio que isso será logo, estaremos melhor preparados para isso.
Folha - O massacre não poderia ter sido evitado? Há quem diga que vocês foram inflexíveis nas negociações com o governo.
Tong - Sim, o massacre poderia ser evitado. Mas precisamos lembrar que foi o governo quem trouxe tanques e metralhadoras, que matou e feriu gente que fazia um protesto pacífico. O governo deve carregar toda a responsabilidade pelo massacre. Num nível secundário, acho que poderíamos ter conduzido melhor o movimento.
Folha - Como foi 4 de junho de 1989 e como você escapou?
Tong - Eu estava na avenida Chang An, uns dois quilômetros a oeste da praça Tiananmen. Foi um dos dois pontos onde ocorreu a maioria das mortes.
Tive muita sorte. Vi mais de dez pessoas ao meu redor serem baleadas e morrerem. Depois fui para casa de parentes, escapei para o Japão e acabei indo para os EUA.
Folha - Quais são sua atividades políticas hoje em dia?
Tong - Minhas atividades se concentram basicamente na organização não-governamental Democracia para a China.
Conduzimos vários projetos, como lobby na tentativa de influenciar a política para a China do Ocidente. Também trabalhamos com dissidentes na China, tentamos oferecer o que eles precisam, ajuda, informação, apoio moral.
Folha - Como vocês mantêm contato com os dissidentes que estão na China?
Tong - Infelizmente não posso revelar nosso canais, por razões óbvias. Mas já existem grupos de dissidentes que conseguiram força suficiente para impedir que o governo coloque a todos na prisão.
Nesses casos podemos até usar o telefone. Atualizamos informações. Com esses dissidentes mais importantes eu converso pelo menos uma vez por semana.
Folha - Qual é o tamanho da comunidade de dissidentes na China e no exílio?
Tong - É muito difícil precisar. Você viu nas últimas semanas que pelo menos 40 dissidentes foram detidos ou interrogados. Eu diria que os ativistas representam uma comunidade relativamente pequena.
No exílio, acho que temos entre centenas até milhares de ativistas em diferentes países ocidentais.
Folha - Como vocês financiam suas atividades?
Tong - A nossa organização tem se apoiado em fontes diferentes, todas elas não-governamentais. Essas fontes incluem doações de pessoas ocidentais, sobretudo nos EUA, e de fundações voltadas para a promoção da democracia e proteção dos direitos humanos.
Muitos de nossos ativistas no Ocidente contam com uma situação financeira bastante estável.
Folha - Em 1989, o governo os acusava de receber dinheiro da CIA (serviço de inteligência dos Estados Unidos).
Tong - (risos) Não. Pelo que sei, e eu estava envolvido desde o começo do movimento, não houve nenhuma conexão desse tipo.
Folha - Qual é a melhor estratégia para se trazer democracia à China?
Tong - Bem, há mudanças ocorrendo na China. Há uma transformação rumo à modernização e isso corresponde aos alicerces de uma tendência que vai trazer liberdade ao país.
O método ideal para se concretizar esse processo é continuar o desenvolvimento econômico e a relativa estabilidade social, mas não aquela propagandeada.
Folha - Você acha que a comunidade internacional pressiona o governo comunista o suficiente para melhorar a situação dos direitos humanos na China?
Tong - Não. Nos últimos seis anos a pressão funcionou para diminuir as violações dos direitos humanos e conseguir a libertação de alguns presos. Mas as potências ocidentais, em especial os EUA, percorrem um caminho confuso em suas relações com Pequim.
É preciso que a população chinesa saiba que o Ocidente quer uma modernização completa, não um processo com reformas econômicas e repressão política.
Folha - Você disse que a China vai enfrentar logo um momento de escolha de um novo futuro político. Quando vai chegar esse momento?
Tong - A morte de Deng (Xiaoping, líder comunista com 90 anos) se apresenta como um dos momentos nos quais a China terá a chance de optar por um futuro político diferente.
Folha - Você presenciou um massacre, teve que escapar e viver no exílio. Que consequências psicológicas resultam disso?
Tong - Realmente tem sido muito difícil. Vi o lado diabólico do ser humano que até hoje não foi punido, vi colegas meus que foram mortos ou presos apenas porque expressaram seus pontos de vista sobre o futuro da China.
Seis anos depois do massacre, seus autores vivem normalmente. Meus amigos têm dificuldades.

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