São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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De choro e de juros

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - ``Trabalho com o comércio desde os 17 anos e nunca vi uma inadimplência tão elevada."
O testemunho não é de um economista de oposição nem de um empresário qualquer, sempre suspeito de ``choradeira". O depoimento é de Tasso Jereissati, governador do Ceará e uma das principais estrelas da constelação tucana.
Sua avaliação coincide, à perfeição, com a de Jorge Gerdau Johanpeter, comandante do Grupo Gerdau. No Nordeste, diz Gerdau, seu grupo não consegue receber 40% dos créditos devidos, quando a inadimplência histórica fica sempre entre 8% e 12% na região.
Parte da inadimplência é, de fato, como o governo insinua, culpa do endividamento abusivo que se seguiu à estabilização dos preços. Mas a maior parte, é razoável supor-se, deve-se aos saltos sucessivos dos juros, tornados ``escorchantes", conforme frase do próprio presidente da República.
O pior é que os juros altos servem menos para conter o consumo e mais para atrair capital externo, sem o que o Brasil não fecha suas contas. Para fazê-lo, o país precisa, este ano, de cerca de US$ 15 bilhões, que é mais ou menos o tamanho do rombo na conta de serviços (juros da dívida externa, remessa de royalties, gastos dos turistas brasileiros no exterior, frete etc.).
A sobrevalorização do real torna complicado obter um saldo na conta comercial (exportações menos importações) suficientemente substancial para de fato compensar o rombo na outra conta.
Resta um de dois caminhos: ou atrair capitais voláteis, graças aos juros ``escorchantes", ou queimar reservas.
É por isso, mais do que para conter o consumo, que os juros precisam ser muito elevados. Não vai ser fácil sair dessa armadilha, produzida pelo erro, lá atrás, na relação real/dólar.
Mais fácil é chamar o empresariado de chorão, porque quer continuar produzindo e vendendo muito, o que é, aliás, a sua função precípua e seu instinto natural. Seria engraçado se não produzisse o efeito perverso contido na frase de Tasso Jereissati.

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