São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A canibalização eleitoral

MARCO MACIEL

O Brasil conseguiu concretizar, com êxito, sua transição para a democracia: há, hoje, mecanismos democráticos de decisões políticas que asseguram aquilo que os teóricos chamam de ``democracia procedimental".
O que se deve tentar agora é passar para a prática da democracia que batizaria de ``democracia decisional". Ou seja: devemos evoluir da forma democrática de escolha dos mandatários e da extensão das garantias jurídicas a todos os cidadãos para a substância democrática das decisões políticas. Cabe a nós, portanto, assegurar o trânsito da ``democracia formal" para a ``democracia real".
As modernas definições de democracia preocupam-se exatamente com a operacionalização dos mecanismos decisórios da política. Daí se dizer hoje que ``a democracia é o regime político caracterizado pela contínua capacidade de resposta do governo às preferências de seus cidadãos, considerados politicamente iguais".
São esses os requisitos que ainda nos faltam. Primeiro, porque raramente houve no Brasil compatibilidade entre discurso e ação política; segundo, pela incapacidade de o poder público dar resposta às preferências da população.
O Brasil não se modernizará apenas com reformas econômicas, nem progredirá somente com mudanças sociais. O processo de transformação do país passa, também, pelas reformas políticas, para que possamos estabelecer sincronia entre os desejos da opinião pública e a ação efetiva do sistema político.
Quando nos referimos ao aprimoramento do sistema político, estamos expressando o desejo de que se procedam às reformas indispensáveis no nosso sistema de governo e nos subsistemas eleitoral e partidário. O sistema proporcional em vigor desde o Código Eleitoral de 1932 tornou-se obviamente obsoleto, depois de mais de 60 anos, a tal ponto que, na forma como é praticado entre nós, existe em apenas dois países em todo o mundo, um dos quais o Brasil.
Ele não tem sido responsável somente pelo enfraquecimento partidário, mas contribui, sobretudo, para o que já se chamou de ``canibalização" da política brasileira, na medida em que o confronto se dá entre aliados e não entre adversários. Como as regras do sistema eleitoral são a variável condicionante do sistema partidário e do próprio sistema político em seu conjunto, é de se supor que dado o primeiro passo estaremos fatalmente contribuindo para a modernização e a consolidação de ambos.
A observação empírica em todas as grandes democracias do mundo contemporâneo tem demonstrado que o voto proporcional favorece a diversidade, mas prejudica a governabilidade. O voto majoritário favorece a governabilidade, mas prejudica a diversidade.
A adoção de variáveis compensadoras, no entanto, já não nos obriga a uma opção maniqueísta. Podemos, levando em conta as peculiaridades brasileiras, combinar métodos que não se excluem e que, paralelamente, equilibram as opções existentes.
A autenticidade da representação política, por sua vez, não estará completa se não pensarmos nos mecanismos necessários para a erradicação das fraudes, a lisura do pleito e a busca da verdade eleitoral.
As experiências que vêm sendo aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, especialmente nas presidências dos ministros Sepulveda Pertence e Carlos Mário Velloso, cujos esforços merecem não só os nossos aplausos mas igualmente o nosso apoio, podem contribuir decisivamente para esse objetivo.
A cautelosa e progressiva informatização do processo eleitoral não apenas impede a fraude, mas tem, ao mesmo tempo, outras grandes virtudes. Uma delas é agilizar a apuração, tornando-a quase instantânea. A outra é propiciar o barateamento de todo o processo. Ainda que o investimento inicial seja alto, os custos são decrescentes à medida que se sucedem os pleitos.
Essa é uma tarefa que interessa fundamentalmente ao país, na medida em que a reversão da tendência histórica dos últimos anos é essencial para a legitimidade das instituições políticas nacionais.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, resgatando compromissos de campanha, busca realizar esses objetivos. O Congresso Nacional, que voltou a ser o grande fórum de debates de decisões vitais para a sociedade, também cumpre o seu papel quando discute e prepara propostas sobre a matéria.
Tenho a certeza de que, por essa via, chegaremos às grandes mudanças reclamadas por todos, pois saímos do imobilismo para uma nova e frutífera etapa de transformações.

Texto Anterior: APOIO; EXTREMIDADES; NEM TUDO
Próximo Texto: A tática das oposições na reforma
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.