São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A tática das oposições na reforma

JOSÉ GENOINO

No momento em que o processo de votação das emendas da ordem econômica se encaminha para o desfecho na Câmara impõe-se um exame da tática adotada e dos resultados alcançados pelos partidos de oposição nesse embate. E para que isso seja feito com pertinência é preciso reconhecer que fomos amplamente derrotados pelo governo.
O governo conseguiu realizar seus objetivos, aliás usando como moeda de troca o fisiologismo que havia sido renegado no discurso de posse do presidente Fernando Henrique.
Na reforma da ordem econômica, o que está em jogo é o modelo de Estado que se quer para o país. A Constituição de 1988, a rigor, manteve o modelo de estatismo autárquico do nacional-desenvolvimentismo e do regime militar. Esse modelo caducou em toda a parte junto com a crise generalizada que se abateu sobre o Estado enquanto tal que se erigiu no pós-guerra, mesmo nos países ricos.
A crise estatal desencadeada nas duas últimas décadas expressa o impacto desorganizador da globalização e dos novos processos produtivos sobre o Estado-nação, concebido como o agente por excelência do desenvolvimento e do progresso. O neoliberalismo, antes de ser uma inovação, é uma tentativa de resposta a essa crise.
Infelizmente, a esquerda democrática, pega de surpresa tanto pela crise do Estado como pelo desastre do socialismo autoritário, teve de enfrentar problemas relativos à sua própria sobrevivência e ficou sem condições de apresentar respostas convincentes aos desafios dos novos tempos. Mas o que importa é que a crise do Estado impôs a necessidade de reformá-lo para torná-lo apto a resolver os problemas concretos do presente.
É verdade que as reformas do Estado não são neutras e que são direcionadas conforme as hegemonias ou os pactos imprimidos pelas forças políticas majoritárias em cada circunstância. Também não há um único caminho eficaz para reformar o Estado.
O Estado no Brasil não fugiu à necessidade de reforma. As sucessivas tentativas de estabilizar a economia tornaram evidente para a sociedade a urgência das reformas. Elas foram o centro do debate nas últimas eleições presidenciais. Na medida em que as oposições optaram por uma tática de fustigar as emendas governistas sem apresentar alternativas, no processo da reforma da Constituição, era mais ou menos evidente que tenderiam a um processo de isolamento tanto no Congresso como na sociedade.
A pergunta que cabe fazer é se era possível outra tática. Penso que a experiência da Constituinte responde afirmativamente essa indagação. Naquele evento, as esquerdas formaram um bloco com a centro-esquerda, e em várias disputas, principalmente nos direitos sociais, o bloco conseguiu atrair votos do centro, o que permitiu algumas vitórias em alguns pontos e, em outros, evitou-se o pior.
Mesmo considerando-se que no atual governo a centro-esquerda aliou-se à direita, se as oposições tivessem apresentado alternativas poderia ser possível entabular negociações com parcelas do PMDB e do PSDB para evitar a formação dos 3/5 governistas.
O nosso auto-isolamento na Câmara fez com que ficássemos fora do jogo, o que facilitou o rolo compressor governista comandado pelo PFL, que imprimiu nas reformas a sua marca programática. A amplitude da derrota das oposições na Câmara deve levar-nos à reflexão e à revisão da tática.
O episódio da votação da emenda do gás canalizado mostra que a oposição poderia ter disputado com emenda própria, propondo um sistema de parceria transparente com a iniciativa privada e a manutenção do monopólio. A parceria, como foi mostrado, já existia com a OAS.
Na emenda das telecomunicações, mesmo sem emenda, as oposições poderiam ter evitado o pior se tivessem negociado com o PMDB e outros setores a regulamentação das concessões por uma lei complementar. A emenda, tal como foi aprovada, poderá permitir as concessões pela via da Lei das Concessões, que, conforme a imprensa vem divulgando, acoberta favorecimentos a várias empresas e empreiteiras. A não-regulamentação da emenda por uma lei complementar poderá implicar uma concessão privatizadora e desorganizadora do atual sistema de telecomunicações do país.
Na emenda do petróleo há pouco tempo para se fazer alguma coisa. Mas ainda é possível construir um caminho intermediário por meio da emenda do deputado Domingos Leonelli, que mantém o monopólio estatal, mas abre a possibilidade de parcerias das estatais com a iniciativa privada.
A decisão do PT de apresentar uma emenda na reforma da Previdência e de disputar a reforma tributária e também a reforma política representa uma revisão positiva da tática e um caminho mais correto para se opor às reformas do governo.
As oposições como um todo podem recuperar parte do terreno perdido na ordem econômica se se prepararem para o embate da regulamentação das emendas aprovadas, remetida para leis ordinárias.
De qualquer forma, fica a lição de que adotar o isolamento como regra no Parlamento pode representar prejuízos maiores para a sociedade. O isolamento se justifica, de fato, em alguns casos excepcionais. Mas nas disputas parlamentares é impossível salvaguardar interesses sociais apenas com base em princípios abstratos ou no jogo do tudo ou nada.

Texto Anterior: A canibalização eleitoral
Próximo Texto: Lista dos produtivos; Saco de milho; Privatizações; Boff e a CNBB; Arida desempregado; Herdeiro; Paulistão; Justiça
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.