São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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Histórias privadas

DA REPORTAGEM LOCAL

``Stulto" era um dos xingamentos mais comuns nas paredes dos banheiros do Coliseu -onde eram realizadas lutas de gladiadores e sacrifícios de cristãos na Roma Antiga.
A palavra quer dizer imbecil ou idiota. Como se vê, nem a mania de escrever no WC, nem os insultos mudaram muito nos últimos séculos.
Felizmente, no século 1º a.C ninguém costumava retocar as paredes a cada vez que elas se enchiam de pichações. Senão, o professor Fábio Simonini não conseguiria escrever seu livro que inclui escritas de banheiros.
Ele pesquisou as frases rabiscadas naquela época e as usa em suas aulas de literatura e mitologia no colégio Logos, na zona sul de São Paulo.
O professor continua sua pesquisa no final deste ano, quando retorna à Itália para procurar mais frases.
Segundo ele, os rabiscos são a principal fonte para reconstituir o latim vulgar -latim falado, diferente do usado para literatura, documentos oficiais e pelos ``intelectuais" da Antiguidade.
Além disso, as pichações ajudam a reconstituir a cultura ``extra-oficial" do Império Romano.
Se dependesse dos diretores de escolas do século 20, que chegam a gastar R$ 1,4 milhão para pintar paredes pichadas, frases como ``mulher no volante, perigo constante", ou ``drogas tou fora, fui buscar" ou ainda ``eu sou a melhor coisa do mundo", não entrariam para a história.
Esses escritos são parte de um estudo realizado pelo Instituto de Psicologia da USP, em 1993, que classificou mais de mil frases de banheiro encontradas em escolas e cursinhos da cidade de São Paulo (veja exemplos no quadro ao lado).
``Essa mania não pode ser vista só como vandalismo. O banheiro público se apresenta como um canal de comunicação entre as pessoas", diz Flávia Borges, 21, aluna do 4ª ano de psicologia, que participou da pesquisa.
``O banheiro é um espaço íntimo, privado. A pessoa, protegida pelo anonimato, faz desabafos", diz a professora de psicologia experimental Emma Otta.
Além dos estudiosos, mais gente defende a importância dos rabiscos. São os viciados na ``literatura de latrina", que só entram em WCs com mensagens.
``Gosto de ler as pichações. É divertido", diz o estudante Mauro, 19 (nome fictício).
O estudante procura sempre portas ``inéditas". ``Banheiros, cujas portas já li, eu não uso. Procuro sempre novidade."
``Acho engraçado. Gosto daquelas em série, em que uma pessoa escreve uma frase ou uma pergunta e outras vão completando", afirma Marta (nome fictício), 24, estudante. ``Às vezes, até respondo".
Isso também não é moderno. No Coliseu, o professor Simonini encontrou a seguinte ``delicadeza": ``Eu comi a sua irmã". Na sequência, uma série de ``eu também... eu também..." A última dizia: ``E eu então...".
As inscrições antigas eram feitas em baixo-relevo. Essa técnica nada mais é do que raspar a parede para formar as palavras.
Vandalismo ou não, essa história de escrever em banheiro ou transformá-lo em cenário para choro, brigas e romances foi parar no teatro.
A peça ``Banheiro", em cartaz em São Paulo, traz a história de uma festa que ``acontece" no WC. Como muitas da vida real.
A estudante Rita, 21, encontrou um ex-namorado recente com outra em um bar. ``Conter o choro no banheiro foi impossível", diz ela.
Meses depois, em uma festa, esse mesmo ex-namorado ficou bêbado. Não conseguia parar em pé e batia o rosto na pia do banheiro. Rita tentou segurá-lo pelo cabelo. Ele reagiu com um tapa no rosto dela.
Outra festa, outra saia-justa. Rita encontrou o tal ex com uma nova namorada. Acabou levando o rapaz para o banheiro, onde fizeram um ``flash back" rápido. Hoje, estão separados.

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