São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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Sorriso de aeromoça não me engana mais

MARCELO RUBENS PAIVA

Especial para Folha
Quando cheguei na Califórnia, achei que estava arrebentando, pois era só trocar olhares com as moças bonitas que elas sorriam. Depois, comecei a achar que meu charme era irresistível em excesso e que havia conquistado a América, pois todas sorriam e vinham com aquela voz rouca e sensual: ``May I help you?"
Finalmente, como não sou nada dessas coisas, mas sou ligado, percebi que o ``sorriso de aeromoça" faz parte da gentileza artificial das moças daqui e que as segundas intenções eram fruto da minha imaginação. Me californiei, estou na minha, mas continuo a cometer a gafe das gafes, que é fazer piadas politicamente incorretas, como se minha alma brasileira inquieta resistisse contra a fajutice moral que assola este país.
Evidentemente ganhei a fama. Sou o que elas chamam de um ``sexista incurável". Continuo a abrir portas para mulheres, deixá-las entrar primeiro, oferecer ajuda quando caem da bicicleta, acender os cigarros quando estão com dificuldades, me oferecer para carregar compras de supermercado -o que é considerado, aqui, uma grosseria irreparável, uma ofensa machista.
Pois outro dia, duas amigas trocavam o pneu debaixo de uma chuva torrencial. Eu estava com uns rapazes fortes que não falavam nada. Acabei falando: ``Vamos ajudá-las". Mas uma delas se virou para reclamar: ``Por que? Você acha que não somos capazes?" Tudo bem. Se atrapalhou com porcas e parafusos, provou que é igual aos homens e perdeu a oportunidade de ficar sequinha.
A nova onda é moças se vestirem como meninos, cumprimentarem como meninos, andarem como meninos etc. Seus jeans não realçam as curvas que Deus lhes deu, não se vê bumbum arrebitado, e são largos como as roupas de um moleque. E outro dia, uma menina linda de morrer voou por cima de mim em um skate, fez cinco piruetas no ar, subiu em sete bancos de concreto e se foi numa velocidade estonteante. Deve ser algo que tomam com o leite que as fazem tão sensualmente masculinas.
E aí me lembrei do Chacrinha, com aquela roupa de doido varrido, tirando meleca do nariz, jogando bacalhau na platéia, dando abacaxis para seus convidados, cercado por chacretes rebolativas e seminuas. E me lembrei que o programa chegou a ser exibido em horário nobre e que todos meus amigos eram apaixonados por uma tal Sarita Catatau. E me lembrei que Chacrinha cantava: ``Maria Sapatão, Sapatão, Sapatão, de dia é Maria, de noite é João..." O Brasil é um país seriíssimo. Somos nós, brasileiros, que avacalhamos. Ainda bem.

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