São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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Virologia sociológica

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - Primeiro veio o HIV. Depois, a esse novo flagelo da humanidade, vieram somar-se o Ébola, o Sabiá, os Hantavírus e, agora, o novo vírus assassino da Amazônia, provavelmente da família dos Arenavírus.
Todos eles têm em comum a perspectiva de uma morte horrível, seja numa lenta agonia em que o sistema imunológico e o corpo definham, seja numa voraz febre hemorrágica em que os órgãos se liquefazem e os poros jorram sangue.
Os vírus são de fato intrigantes. Durante muito tempo acreditou-se que, por sua simplicidade, eram as formas primordiais de vida. Hoje não são considerados animais, vegetais ou procariontes. Ganharam seu próprio reino. Já não são nem mesmo tidos como seres vivos, pois não têm condições de realizar qualquer processo metabólico sem a ajuda de uma célula hospedeira.
Existe porém uma outra linhagem de vírus ainda mais perigosos (nível de biossegurança 5), da qual só agora a ciência toma conhecimento. São os vírus sociológicos. Como seus primos, são incapazes de sobreviver sem sugar uma célula e causam sintomas terríveis que acabam por destruir o hospedeiro.
No Brasil, infelizmente, proliferam as mais diversas espécies dessas ameaças. Há pouco constatou-se um caso grave de epidemia causada pela unidíssima família dos Canavírus, os produtores de açúcar e álcool do Nordeste. Vivendo apenas à custa de grandes subsídios federais, esse grupo infeccioso não apenas suga lentamente os cofres públicos como também provoca demolidoras convulsões que destroem casas populares. Nos últimos quatro anos registraram-se 90 mil famílias vitimadas.
A assustadora família dos Rurovírus não faz por menos. Embora sejam poucos os espécimes identificados, não mais de 150, esses agentes patogênicos infestam a célula, geralmente um Parlamento, e, num complexo processo metabólico ainda não bem descrito, fazem com que o hospedeiro fique prostrado e ceda a todas as chantagens do vírus.
Existem ainda as famílias dos Petrovírus e dos Sindivírus. A primeira provoca o surgimento da síndrome de corporativismo atávico. A segunda afeta particularmente membros do governo, alterando-lhes os níveis de produção de neurotransmissores, o que provoca um quadro agudo de paranóia anti-sindical que pode levar o paciente à loucura.
Como se vê, o Brasil está pior que o Zaire. Convoquemos a OMS, os CDCs e os sociólogos. Com urgência.

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