São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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No fígado!

ADRIANO DIOGO

Há certas lutas que vale sempre a pena lutar. Entre tantas outras, considero a defesa e a construção de um Sistema Único de Saúde adequado às necessidades da população uma das mais relevantes. Por isso lutamos pela manutenção da seção da saúde na Constituição, posicionando-nos contra interesses privatizantes e ávidos de lucros.
E foi também na defesa de um SUS eficiente e de qualidade que a bancada do PT se absteve e eu, liberado por ela, votei contra a doação de terreno público municipal ao dr. Silvano Raia, para que ele construa o seu tão desejado Instituto do Fígado e do Alcoolismo.
E por que o fiz? Primeiro porque tal projeto é ofensivo aos parâmetros constitucionais, pois não considera os mecanismos de controle social exigidos pela Carta de 1988, ignorando instâncias como os conselhos nacional, estadual e municipal da saúde.
Em São Paulo, doa-se terreno público para tudo, caracterizando sempre uma ação entre amigos que utiliza o patrimônio público em prol de interesses particulares.
Em segundo lugar, porque consideramos que a criação desse instituto -cujo porte, natureza e modelo de assistência atendem ao desejo do dr. Raia- não obedece às regras básicas de planejamento de sistemas de saúde em uma metrópole como São Paulo, onde reina o descaso com a racionalidade administrativa e econômica no campo dos serviços de saúde.
Como exemplo, só no espigão da av. Paulista existem mais tomógrafos do que no Canadá todo. O que dizer então do número de leitos especializados (cerca de 300) destinado ao Instituto do Fígado, enquanto dez hospitais gerais na Grande São Paulo estão com obras paradas e cerca de 2.000 leitos deixando de servir a população, fora os mais de 2.000 desativados pelo prefeito Maluf, o mesmo que quer doar o terreno para o amigo Raia?
Um terceiro motivo é que o projeto de lei aprovado atrela decisivamente o poder público aos esquemas de financiamento da construção (via Finep) e à manutenção do instituto (via SUS). Ora, se sabemos todos da crise que vive o setor de saúde no Brasil, como podemos aceitar que projetos de grande porte sejam levados adiante sem que um estudo de viabilidade orçamentária seja apresentado ao público, para que decida se deve ou não inverter dinheiro tão escasso em projeto tão polêmico?
Que ninguém duvide, no entanto, da percepção que temos da necessidade de ampliar os serviços de saúde no Brasil em termos de quantidade, qualidade e resolubilidade de todo o sistema.
O que não admitimos é que em nome dessa necessidade se satisfaçam desejos pessoais em detrimento do coletivo, ou que sejam construídas vitrinas de excelência para transplantes, enquanto milhões de pessoas continuam a contrair, por exemplo, esquistosomose, aumentando insoluvelmente a necessidade de transplantes de fígado. Esse é para nós o caso do projeto do professor Raia.

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