São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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Comércio internacional e meio ambiente

EUGÊNIO DA COSTA E SILVA

A pergunta ``será a liberalização do comércio internacional uma ameaça ao meio ambiente?" pode parecer meio inconsistente, para a interpretação de alguns. Façamo-nos, portanto, outra pergunta: será que comércio internacional, e sua evolução, tem algo a ver com a proteção ao meio ambiente? O leitor mais atento perceberá que, pelo menos durante as últimas décadas, ambos os assuntos vêm sendo tratado com cuidadoso interesse no contexto internacional.
Em um exemplo mais recente, a Rodada Uruguai do Gatt formalizou, no contexto multilateral, o vínculo entre os temas comércio internacional, sua liberalização e meio ambiente e, consequentemente, determinou que os mesmos se complementam. Durante a reunião ministerial de Marrakech (Marrocos), realizada em abril de 1994 para concluir os trabalhos da Rodada Uruguai, 124 países e a Comunidade Européia decidiram que uma comissão sobre comércio e meio ambiente, aberta a todos os membros da OMC (Organização Mundial do Comércio), deveria ser criada na primeira reunião do Conselho Geral da OMC.
Essa comissão tem a função, entre outras, de examinar os vínculos entre comércio internacional e meio ambiente. Esses vínculos, na prática, são explicitados por diversos interesses econômicos e comerciais, fazendo-se incluir na ordem do dia das negociações internacionais.
Após estas considerações introdutórias, essenciais à presente discussão, faz-se necessário definir mais tecnicamente os conceitos de liberalização do comércio e de proteção ao meio ambiente.
A liberação do comércio internacional está compreendida em dois níveis: o multilateral e o regional. Os aspectos multilaterais foram formalizados com a criação do Gatt, em 1947, e suas diversas rodadas de negociação, culminando com a criação da OMC, em funcionamento desde 1º de janeiro último. O objetivo primordial desse sistema é minimizar barreiras, alfandegárias ou não, no contexto do comércio internacional.
Os aspectos regionais estão vinculados aos processos de integração comercial e econômica entre diversos países, colocados em prática através da criação de união aduaneira, promovendo o comércio internacional e contribuindo para o fortalecimento das economias nacionais. Diversos exemplos de processos de integração regional incluem, entre outros, a União Européia, o Nafta e o Mercosul.
A proteção ao meio ambiente, por sua vez, é uma vasta área de análise em que está incluída a proteção do mar, rios, ar, clima, florestas, plantas, animais e peixes. Atitudes mais consistentes em relação ao tema foram formalizadas por mais de 150 países durante a Eco-92. Este encontro da Organização das Nações Unidas analisou diferentes aspectos relacionando comércio com meio ambiente e, ao final, as nações participantes concordaram em criar instrumentos legais destinados à proteção do meio ambiente.
Todavia, é necessário ressaltar que os EUA recusaram-se a assinar a convenção sobre diversidade biológica pressionados fortemente por suas indústrias de biotecnologia e fármacos, cujas razões tornar-se-ão mais explícitas a seguir.
Certamente, a área de maior relevância nesta discussão, envolvendo diversos interesses econômicos internacionais, está relacionada com o uso e a exploração dos recursos biológicos do planeta. É até possível afirmar que, quando as ``nações industrializadas" demonstraram insistente preocupação com a proteção ao meio ambiente, o principal interesse delas estava muito distante da proteção da ``saúde" do planeta em si. Talvez os interesses econômicos e comerciais prevalecessem nas entrelinhas do discurso ``verde".
A diversidade biológica do planeta Terra é considerada uma das fontes mais significantes para os produtos e as tecnologias do futuro. Indústrias farmacêuticas, bem como indústrias na área de biotecnologia e cosméticos, estão a planejar seu futuro com base na exploração dos recursos ainda desconhecidos da ciência moderna, que poderão ser encontrados em nossas florestas, rios e mares.
Como uma porcentagem relevante desses recursos encontra-se em território dos ``países não-desenvolvidos", a ``titularidade" dessa biodiversidade poderá significar uma ameaça importante aos planos das indústrias farmacêuticas e de biotecnologia.
Ademais, durante a Eco-92 concluiu-se que as principais causas relacionadas com a destruição do meio ambiente do planeta são, na seguinte ordem de importância: a poluição causada pelas indústrias do ``Primeiro Mundo", a pobreza existente no ``Terceiro Mundo" e, por último, o desmatamento que ocorre nas florestas dos países pobres do sul. Sem surpresas, as discussões têm sido mais enfáticas quando relacionadas com a destruição das florestas.
Por que não discutir, com igual ênfase, a distribuição de riqueza no mundo moderno? A ordem econômica internacional ora estabelecida deve ser reexaminada, pois a diferença entre ricos e pobres vem alcançando níveis assustadores, num crescendo insustentável.
Por exemplo, os valiosos recursos biológicos que possuímos poderão ser utilizados como instrumento de negociação política, visando restringir as práticas, muitas vezes desleais, dos países ricos. Indubitavelmente, esses recursos deverão ser utilizados como mecanismo para o desenvolvimento econômico, tecnológico e social de nosso país. Se esses recursos forem explorados sem qualquer regra ou limitação, tanto pelos ricos do norte como pelos pobres do sul, o meio ambiente estará correndo sério risco.
O novo sistema regulador do comércio internacional, portanto, deverá levar em consideração as prioridades das nações pobres econômica e tecnologicamente mas ricas em biodiversidade, bem como os investimentos e as necessidades das nações ricas econômica e tecnologicamente mas pobres em biodiversidade.
Lucros e benefícios deverão ser repartidos, para que alcancemos níveis mínimos aceitáveis de bem-estar social. A análise do tema ``proteção ao meio ambiente" deve utilizar como base não só aspectos econômicos e comerciais, mas sobretudo as necessidades sociais do mundo contemporâneo.
Se o sistema de comércio internacional continuar a usar os tradicionais conceitos estabelecidos pela ordem econômica internacional, e se países como o Brasil não determinarem como prioridade para seu desenvolvimento econômico-social uma política séria de conservação e exploração de riquezas naturais, a ``saúde" do planeta estará seriamente ameaçada.
Urge, pois, uma maneira mais justa de priorizar necessidades e estabelecer uma ordem econômica internacional que trabalhe para o bem da humanidade e para a conservação do planeta; jamais para os interesses de poucos.

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