São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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Carne com osso

Ao aprovar ontem, em segunda votação, a emenda que abre o setor de telecomunicações à iniciativa privada, a Câmara dos Deputados fez avançar uma reforma de enorme impacto para o país. Se conta com uma carga simbólica menor do que o tema do petróleo, a área de telecomunicações ostenta deficiências gravíssimas, afetando de modo direto quase toda a economia.
Em poucas esferas a incapacidade do monopólio estatal de atender às demandas da sociedade mostrou-se tão flagrante, ao ponto de tornar uma simples linha telefônica um bem caro e escasso, inacessível para a maioria da população.
Alguns renitentes opositores da abertura protestam que a iniciativa privada, desprovida de preocupações sociais, deixaria de lado áreas menos lucrativas, como a telefonia básica e as zonas rurais, para privilegiar atividades de alta taxa de retorno. Argumentam como se ignorassem, por exemplo, que os anos de monopólio estatal deixaram mais de 95% das propriedades rurais no país sem linha telefônica, segundo a própria Telebrás.
Mas, se o monopólio estatal não se pautou pela preocupação social, isso obviamente não quer dizer que a iniciativa privada o fará. Cabe assim promover uma abertura planejada, exigindo das empresas que atentem também para áreas menos rentáveis. O governo poderia considerar a estratégia de vender a carne com o osso junto, vinculando por exemplo segmentos mais e menos atraentes ou fixando metas de atendimentos, para garantir que os enormes déficits legados pela Telebrás sejam paulatinamente sanados.
Não tendo recursos nem para recuperar essa defasagem, o Estado brasileiro jamais teria cacife (contado em bilhões de dólares por ano) para promover a constante atualização necessária. E isso significaria ser deixado para trás na vertiginosa corrida tecnológica atual.
A história do país é mais do que ilustrativa quanto à ineficiência do poder público quando assume tarefas da iniciativa privada. Além de prestar maus serviços, acaba sacrificando as funções típicas de Estado, com custos sociais aí sim imensos.
É hora então de o Senado mostrar a mesma disposição modernizadora que a Câmara exibiu até aqui. A abertura das telecomunicações não é só crucial para a integração do país num mundo cada vez mais competitivo. É também importante no processo de racionalização do Estado, indispensável para que este comece realmente a cuidar das funções que afinal justificam sua existência.

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