São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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Crime continuado

Taxar o vício. Essa é a proposta do senador Pedro Franco Piva (PSDB-SP) para arrecadar recursos para a saúde pública. De acordo com os cálculos do parlamentar, as indústrias do tabaco e do álcool faturam entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões por ano; se o governo aumentasse os impostos sobre esses produtos em 30%, arrecadaria na pior das hipóteses R$ 3 bilhões.
Independentemente dos recursos que uma tal medida geraria -que, de resto, são sempre bem-vindos, mesmo que insuficientes para resolver a questão da saúde-, uma maior taxação do tabaco e do álcool tenderia a, se não evitar que o cidadão consuma esses produtos, que o faça com mais moderação. Ganhariam assim com o aumento de impostos não só o governo como o próprio cidadão, que, ``malgré soi", teria sua saúde um pouco menos maltratada.
O conceito de taxar pesadamente o vício, aplicado já há muitos anos nos países desenvolvidos, no Brasil percorre sendas tortuosas. Embora legalmente o tabaco e o álcool já sofram uma taxação diferenciada, várias distorções permitem que uma generosa dose de aguardente custe ao consumidor apenas algumas dezenas de centavos de reais.
Dos pesados subsídios federais concedidos ao setor canavieiro a toda uma complexa rede de sonegação fiscal, a cachaça é, em algumas das regiões mais miseráveis do país, a mais barata e farta fonte de calorias. O resultado é trágico. Muitos dos mais miseráveis brasileiros sentem-se desgraçadamente melhor ``alimentados" com uma dose de pinga que com um copo de leite. Há até mães que adicionam aguardente à mamadeira de seus filhos na tentativa de aplacar-lhes uma fome crônica. Cria-se uma geração de alcoólatras de berço.
Um aumento dos impostos sobre o vício poderia fazer algum bem à saúde dos cidadãos e melhorar bem a saúde financeira do Ministério da Saúde, o que, mais uma vez, teria impacto positivo sobre a saúde dos cidadãos. Não adotar a medida, bem como não corrigir as distorções que permitem que a aguardente seja uma das mais baratas fontes de calorias, constitui crime continuado contra a saúde pública.

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