São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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Chegou a hora

ANTONIO DELFIM NETTO

Depois dos brilhantes resultados no combate à inflação inercial, a política econômica encontra-se numa armadilha criada pela excessiva valorização do real. A única saída que restou às autoridades foi uma política de juro real absurda, que, ao mesmo tempo em que reduz o nível de atividade e atrai capitais voláteis para manter em relativo equilíbrio o balanço de pagamentos, acaba produzindo efeitos devastadores sobre a oferta global e sobre as finanças públicas.
A redução da taxa de juro não pode ser feita, entretanto, sem amplas mudanças em toda a política econômica. Em particular, é preciso encontrar caminhos que permitam, simultaneamente, uma correção do câmbio, sem criar expressiva tensão inflacionária. Alguns analistas têm cometido um paralogismo que envolve uma petição de princípio: eles impõem como hipótese exatamente aquilo que pretendem demonstrar. Segundo eles (com qualquer indexação salarial), uma modificação de 10% no câmbio nominal produziria, instantaneamente, uma inflação de 10%, o que anularia o seu efeito. Mas o resultado é apenas consequência das hipóteses feitas. É claro que a correção do câmbio deve ser feita de forma a minimizar os seus efeitos inflacionários, mesmo porque isso maximiza os efeitos sobre o câmbio real. E é claro, também, que enquanto não se fizer o ajuste cambial não será possível reduzir o juro real sem comprometer o financiamento do déficit em conta corrente.
Por outro lado, não pode haver dúvida de que reduzir a inflação a níveis internacionais dentro de um horizonte de três a quatro anos deve ser o primeiro objetivo do governo. Não podemos esquecer que todos os nossos parceiros no mercado mundial têm hoje esse objetivo bem explicitado. Não é improvável que nos próximos três ou quatro anos os países da OCDE registrem taxas de inflação anual variando entre 0% e 3% ao ano, com taxa de juro real anual muito próxima de 2% a 5% ao ano. Esses, portanto, devem ser também nossos objetivos, se desejarmos, realmente, a estabilidade com crescimento.
No fim deste mês o programa do Real completa o seu primeiro ciclo, com uma inflação corrente de 30% ao ano. O resultado, do ponto de vista inflacionário, é muito bom quando comparado com planos equivalentes de outros países. Mas, se não tomarmos agora as medidas que o aprofundam, vamos repetir em 1995/96 a mesma inflação de 1994/95, o que seria um péssimo resultado.
A saída da armadilha em que nos meteram passa, no curto prazo, pela eliminação completa dos mecanismos de indexação salarial e financeira e por mudanças importantes na política monetária, como a eliminação da ``zeragem automática" e a volta aos compulsórios normais. É preciso uma aposta definitiva na estabilidade, o que exigirá, no médio prazo, grande disciplina fiscal.
Não adianta imaginar que a ``âncora cambial" vai resistir por muito tempo. Mais dia, menos dia, ela afunda e leva consigo o Plano Real. Se a agricultura não fizer isso antes. A hora é agora!

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