São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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O vôo do besouro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - A fábula é conhecida: engenheiros aeronáuticos estudaram o besouro, o peso, o desenho, as asas, a força do besouro. Concluíram que ele não podia voar. Contrariava todas as regras da aerodinâmica, da física e da lógica. No entanto, os besouros voam, acredito que voam até hoje embora faça tempo que não os encontre, a Lagoa tem duas ou três garças que resistem à poluição, no alto verão aparecem alguns mosquitos, besouro é raro, nunca vi um por essas bandas.
Falo nos besouros para comentar a mania de vaiar o presidente da República. Já vaiei um, de corpo presente, durante o regime militar. Sou contra as pedradas, contra qualquer manifestação de violência, mas vaia é outra coisa, já foi dito que ela é o aplauso dos que não gostam.
Sábado, num evento neutro, cultural, vaiaram mais uma vez o presidente. A se acreditar nos técnicos, os mesmos que negaram o vôo dos besouros, o presidente não poderia ser vaiado. Tudo vai bem, nunca o país atravessou tão longo período de bonança, com a moeda valendo mais do que dólar, os preços estáveis, a balança de pagamento em níveis celestiais, a lei, a ordem e a justiça garantidas.
A greve dos petroleiros foi derrotada pela energia do governo que tinha a seu lado a Justiça e o povo. Por mais que se analise o besouro, ele não pode mesmo voar nem o presidente pode ser vaiado.
No entanto, o besouro voa e o presidente recebe vaias, algumas encomendadas, outras nem tanto. Quem vive do outro lado da mesa do poder percebe que a situação não é tão celestial quanto o governo e parte da mídia proclamam. Há alguma coisa de armação, de postiço nessa bem-aventurança neoliberal, nessa colossal vitória do governo que está jogando tudo na reforma da Constituição, achando que ela é a besta negra que toma o país desgraçado.
Mas continuam vaiando o presidente. Nem sempre por encomenda, tampouco por esporte. No fundo, quem deve estar errado é o besouro.

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