São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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Descentralização da Previdência

ANDRÉ FRANCO MONTORO

Três razões muito claras demonstram a necessidade de uma mudança estrutural na Previdência Social brasileira: 1) a atual estrutura da nossa Previdência está errada: o governo manda sozinho; 2) empregados e empregadores são os maiores contribuintes (R$ 30 bilhões anualmente) e os maiores interessados no bom funcionamento da Previdência Social; devem por isso participar de sua direção e 3) esse é o sistema adotado pela maioria das nações democráticas.
Dentro dessa linha e como contribuição à reforma previdenciária que está em marcha, acabo de apresentar à Câmara dos Deputados projeto-lei que ``assegura aos trabalhadores e empregadores participação na direção da Previdência Social e promove sua descentralização administrativa".
Essa foi a tradição da Previdência social brasileira desde seus primeiros passos, com a Lei Eloy Chaves (1923), que criou nossa primeira Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários.
Já então elas eram dirigidas por conselhos de administração, compostos pelo superintendente da empresa, dois empregados designados pela administração e dois ``eleitos pelo pessoal ferroviário".
Nas caixas e institutos que se sucederam historicamente foi sendo adotado, com naturais variações, o mesmo sistema participativo. Coube afinal à Lei Orgânica da Previdência Social -lei nº 3.807 de 1960, que uniformizou a legislação previdenciária- estender o sistema de administração colegiada a todos os institutos de aposentadorias e pensões então existentes: instituto dos bancários, comerciários, industriários, marítimos, transportes e cargas. Esse período marca os melhores dias de nossa história previdenciária.
Essa tradição democrática na administração da Previdência Social brasileira foi abruptamente interrompida pelo governo autoritário, em 21 de novembro de 1966, através do decreto-lei 72.
Esse decreto-lei, editado com base em ato institucional e à revelia do Congresso Nacional, na linha da orientação centralizadora dominante, unificou os seis institutos existentes num único Instituto Nacional de Previdência Social, INPS, e submeteu o sistema ao regime de comando exclusivo de um dirigente nomeado pelo presidente da República. Eliminou, assim, a participação de empregados e empregadores. Quais os resultados dessa eliminação e da direção exclusivamente governamental?
A opinião pública de todo o país é testemunha da sucessão de escândalos, fraudes, casos de corrupção administrativa, irregularidades no pagamento de indenizações, aposentadorias fantasmas, sonegação, comercialização de certidões negativas de débito falsificadas, cessão, locação e venda de imóveis da Previdência por preços irrisórios.
Tais fatos criminosos impuseram a formação de uma CPI, na Câmara dos Deputados, e provocaram processos e condenações de juízes, procuradores e altos funcionários comprometidos em fraudes e quadrilhas.
De outra parte, o governo federal, que administra sozinho todos os recursos da Previdência, utiliza todos os meses grande parte dos mesmos para cobrir déficits do Tesouro Nacional. Um levantamento oficial, em 1960, concluiu que o governo devia à Previdência 58 bilhões de cruzeiros! E os dados levantados em junho de 1990 mostram que essa dívida era então da ordem de 1 trilhão de cruzeiros!
Esse fracasso -claramente ligado à gestão administrativa unipessoal, centralizada e exclusivamente estatal da Previdência Social- foi reconhecido pela Constituinte de 1988, que debateu o problema e estabeleceu novos rumos. Ao fixar os objetivos da seguridade social, a Constituição, em seu artigo 194, determina expressamente: ``caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados".
Ao lado das razões econômicas, sociais, éticas e históricas apontadas, a gestão colegiada da Previdência Social é hoje imperativo constitucional. Para regulamentá-lo, o projeto apresentado estabelece as seguintes normas:
1) institui o Conselho de Administração da Previdência em lugar da atual administração de um presidente;
2) o Conselho de Administração será constituído de nove membros: três representantes dos trabalhadores, sendo pelo menos um indicado por entidade associativa de aposentados, três representantes dos empregadores e três representantes do governo federal designados pelo ministro da Previdência, dentre os servidores da Previdência;
3) serão instituídos Conselhos Regionais de Administração da Previdência Social (Caps-R) e Conselhos Municipais (Caps-M), para exercerem descentralizadamente a administração da Previdência Social em suas jurisdições, observados, quanto à organização e instalação, os critérios estabelecidos para o Caps, adaptando-os para as esferas estadual e municipal.
Essas medidas procuram restabelecer o caráter democrático da Previdência Social brasileira. Caminho mais seguro para o controle de seus recursos e serviços pelos próprios interessados.

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