São Paulo, quinta-feira, 8 de junho de 1995
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Trânsito, Fontenelle, anéis

PLINIO CASTRUCCI

Forçado à ociosidade e à monotonia durante duas horas diárias, em meus deslocamentos obrigatórios por São Paulo, concentro-me quase compulsivamente no problema do trânsito. Sei que de nada adianta sonhar com novas grandes obras, seja pela falta de recursos, seja pela sua demora; nelas incluo os sistemas de semáforos automáticos, com computadores centrais, ainda mais porque me ocorre a sua provável impotência nos períodos em que se satura a configuração viária atual. Em conclusão, as soluções devem ser buscadas em um competente gerenciamento de recursos.
Há alguns fatos interessantes na história de São Paulo que os mais jovens certamente desconhecem e que outros talvez tenham esquecido. Décadas atrás, o velho centro da cidade vivia, na escala de então, a encrenca de hoje...
Certo coronel Fontenelle, carioca, foi nomeado diretor do trânsito e, dando notável exemplo de civismo, decidiu pôr em prática uma idéia radical: um anel viário (rótula), de mão única, em sentido horário, com um mínimo de semáforos, formado pelo viaduto Dona Paulina, pça. João Mendes, pça. Clóvis, r. Boa Vista, r. Líbero Badaró, r. Xavier de Toledo, r. Maria Paula.
A implantação foi dramática, de um só golpe. A despeito de muitos avisos prévios, foi grande o caos inicial. O heróico Fontenelle, aliás falecido meses depois, chegou a dirigir cruzamentos pessoalmente... Mas sua idéia era fundamentalmente correta, por isso triunfou; e perdurou!
Hoje, São Paulo não é mais uma cidade; ela é, sim, um aglomerado de cidades completas, cada uma contendo todo tipo de serviços e de comércio. Intuição e observação então logo sugerem que seja pequena a demanda de trajetos realmente com destino ao centro e que sejam muito frequentes os trajetos entre bairros vizinhos.
Por isso acho que a estrutura básica das grandes vias de São Paulo não deveria privilegiar as radiais, dirigidas ao centro, mas sim as entre bairros, ou então os anéis, concêntricos, a la Fontenelle!
A concepção macro da rótula de Fontenelle foi afinal um sucesso; as marginais, que são uma meia-rótula, foram a salvação dos anos 80. Atualmente as radiais e as perimetrais, que confusamente privilegiamos, talvez representem a incongruência fatal do sistema viário.
Pois a indecisão conceitual básica e a superposição de estilos destroem a funcionalidade dos sistemas (de softwares a aeronaves), tanto quanto prejudicam a estética nas artes.
A pergunta óbvia é se a cidade, sem obras de vulto, permitiria estabelecer tais anéis. Parece-me que sim. Além do de Fontenelle, um segundo anel usaria, no sentido horário, av. Ipiranga, av. Senador Queirós, Mercúrio, Figueira, viaduto Glicério, radial Leste-Oeste, viaduto Jaceguai; um terceiro, anti-horário, teria av. Paulista, r. Domingos de Morais, r. Lins de Vasconcelos, Alcântara Machado, Bresser, João Teodoro, av. Duque de Caxias, Jaguaribe, av. Angélica; o quarto anel teria av. Brasil, av. Sumaré, marginal Tietê, Salim F. Maluf, Anhaia Melo, Gentil de Moura, Santa Cruz, Sena Madureira. Além destes, um semi-anel de dupla mão poderia unir Caetano Álvares, São Gualter, Faria Lima, Bandeirantes, indo até a Presidente Kennedy...
Concordo que os desafios gerenciais de uma implantação dessa são certamente enormes; mas qual é a alternativa? Grandes, lentas e também traumáticas obras?

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