São Paulo, quinta-feira, 8 de junho de 1995
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A privatização e o último trem

ROELF PIETER EEMSING

"Não encaramos o programa de privatização como questão ideológica."
(Fernando Henrique Cardoso)

Há menos de um mês, na visão de muita gente, o Brasil parecia condenado ao inferno eterno. De repente, a reviravolta e o país, de novo, vislumbra estar próximo de realizar o sonho do grande futuro que sempre embalou seu povo. O que aconteceu?
Foi algo aparentemente muito simples, mas de significado histórico: parlamentares estão resgatando o prestígio do Congresso junto à mídia e a opinião pública, flexibilizando alguns dos maiores monopólios estatais e abrindo a perspectiva para que a população venha a se beneficiar da oferta de melhores serviços, em áreas como as do gás canalizado e das telecomunicações.
As decisões, ainda que dependam de outras votações no plenário, assumiram um significado muito especial porque, criando uma situação de fato, colocaram os partidos renitentes na desconfortável posição de referendá-las ou enfrentar o risco da morte política.
A euforia em relação às reformas da Constituição pode ser percebida nas ruas e produziu benéficos efeitos no exterior, em especial nos tradicionais centros financeiros, que emitiram sinais muito positivos no sentido de recolocar o Brasil no seu portfólio. A aprovação prévia da sociedade brasileira às mudanças é um fator que, doravante, nenhum parlamentar poderá desconsiderar.
Na avaliação de qualquer pessoa sensata, a idéia da privatização não pode ser mais postergada. Desde a crise da dívida externa e do balanço de pagamentos, no início da década de 80, ``secaram" as fontes externas de recursos do Estado brasileiro.
Em consequência, as empresas estatais, impossibilitadas de manter o nível de investimentos exigido, foram sendo sucateadas, passando sua ineficiência para toda a economia, em prejuízo da competitividade do país.
O governo do presidente Fernando Henrique -é justo que se enalteça- está fazendo grande esforço para cumprir a sua parte. Trabalha para ganhar o apoio do Congresso na questão das reformas fiscal e tributária e, paralelamente, tenta avançar no encaminhamento do processo de privatização.
Tais questões, interligadas, são a chave para a solução definitiva de problemas crônicos decorrentes do desequilíbrio das contas públicas, fonte primária das pressões inflacionárias, das altas taxas de juros e de todos os demais desajustes da economia brasileira.
O investidor estrangeiro acompanha com muito otimismo o empenho do governo brasileiro no sentido da privatização. Consultas que o ABN AMRO Bank tem recebido -em função da privilegiada condição de operar em mais de 60 países e de ser ``advisor" em operações em diversos continentes- indicam que fornecedores de equipamentos e de projetos integrais e operadores de serviços, além de investidores institucionais, em especial dos Estados Unidos e Europa, têm grande interesse em participar do processo.
Na preferência deles, numa ordem que não surpreende, alinham-se as áreas de telecomunicações e de mineração, petróleo e gás, energia elétrica e, por último, os setores de infra-estrutura.
É claro que a decisão de investir dependerá do modelo que vier a ser adotado e haverá interesse maior de participação quanto menor for o grau de interferência do governo.
Se ele se ativer ao papel esperado de agente regulador, o elevado vulto dos investimentos envolvidos -somente as subsidiárias da Eletrobrás têm um patrimônio líquido da ordem de US$ 45 bilhões- não será obstáculo ao sucesso do programa de privatização.
O atual clima de otimismo, porém, não deve criar a ilusão de que a privatização, a partir de agora, depende apenas do tempo e de meras providências burocráticas. Com razão o presidente Fernando Henrique Cardoso expressou, recentemente, que ``não encara o programa de privatização como questão ideológica". Deixou, porém, implícito que o problema e os obstáculos são de natureza política e nem por isso menores.
A diferença não é apenas conceitual ou semântica. Na prática, a oposição ao processo de privatização tem sua força derivada do instinto de preservação do corporativismo e, por isso mesmo, não pode ser menosprezada. As últimas greves são um alerta e revelam que os adversários da privatização tudo farão para que as discussões e manifestações não fiquem circunscritas aos limites do Congresso e dos gramados que o cercam.
Felizmente, em contraposição, tem-se a consciência da maioria a favor das mudanças. O cidadão sabe que o Estado dispõe de recursos escassos e, por isso, precisa concentrar-se na prestação de serviços prioritários e de sua competência, como educação básica, saúde e segurança, entre outros, todos cada vez piores e distantes dos mais carentes.
Mais do que tudo, o brasileiro sabe também que o futuro, não apenas do real e da estabilização econômica, mas do próprio país, depende do programa de privatização.
Enfim, depois de tantas oportunidades desperdiçadas no passado, converge-se para a certeza de que o Brasil se vê colocado diante da derradeira e única opção: embarcar no anunciado último trem do futuro. Perdida mais esta oportunidade, é altamente improvável, a não ser mesmo por um milagre, que se apresente aos brasileiros a chance de uma viagem extra.

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