São Paulo, quinta-feira, 8 de junho de 1995 |
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Geremek descreve cultura dos miseráveis
LUÍS ANTÔNIO GIRON
O calhamaço de 372 páginas em tipos miúdos da edição brasileira descreve o mundo dos vagabundos e miseráveis, tal como foi refratado pela literatura européia entre 1400 e 1700. Desvela um universo paralelo e ultra-organizado, em que os excluídos sociais se desdobram em categorias, comportamentos e trapaças inimagináveis. Geremek, 63, um dos mais importantes historiadores do Leste Europeu, atua em Varsóvia como deputado e assessor do presidente Lech Walesa. Lidera o grupo parlamentar anticomunista. Em entrevista concedida à Folha há uma semana via telefone celular, de Varsóvia, ele conta que se formou na década de 60 na École des Hautes Études de Paris. Ali, integrou o grupo ``Annales", fundado por Marc Bloch nos anos 60. Geremek segue essa linha de pensamento que prefere a narrativa da história social à enumeração dos grandes eventos. Ocupou-se desde o início da carreira do fenômeno da marginalização. ``Minha formação marxista me impeliu ao assunto", diz. ``Aprendi com o sociólogo Karowski, dos anos 20. Mas foi em Paris que achei minha metodologia. Um impulso menos ideológico que epistemológico me levou à Idade Média. Desconfiava que ali estava a raiz da explicação das diferenças sociais que regem a mentalidade contemporânea." Já publicou dez livros sobre o assunto. No momento, persegue a trilha dos leprosos. ``Os Filhos de Caim", publicado na Polônia em 1989, alcançou repercussão mundial. A obra foi traduzida no mesmo ano para o francês e o inglês. No livro, Geremek afirma que os excluídos sociais formam um universo tão ordenado como inquietante. Exercem fascínio e repulsa. ``O tema desafia as interpretações tradicionais." Para ele, conceitos como o de luta de classes não dão conta do fenômeno dos vagabundos e miseráveis, que é universal e atravessa toda a história humana. ``O marxismo é um bom instrumental para entender a sociedade tradicional. Mas não basta para o resto." A noção de luta de classes, argumenta, ainda rege o pensamento dos intelectuais de esquerda latino-americanos. ``Eles estão despreparados para entender a vontade de libertação que temos em relação ao comunismo", diz. ``Há três anos me encontrei com García Márquez e vi o quanto nossas idéias são conflitantes." Em 1981, Geremek foi preso pelo regime comunista por apoiar o sindicato Solidariedade. Em 1985, expulso da Academia de Ciências de Varsóvia porque não concordava com o marxismo. Justifica hoje a expulsão dos professores marxistas das universidades da Europa oriental: ``Eram vulgares doutrinadores. Não têm mais lugar na `intelligentsia' ". Como solução ao problema da pobreza mundial, pronuncia uma palavra carregada de sentido: ``Solidariedade. As relações de vizinhança e de organização fora do âmbito do estado devem ser a dominante na passagem do século. Nesse aspecto, as comunidades pós-comunistas têm um currículo de fraternidade a mostrar." Ele explica que a marginalização em massa dessas comunidades é de ordem diversa da descrita no livro: ``A globalização produz outros excluídos: o desempregado e o imigrante. Estes põem em perigo a ordem euroamericana porque causam tensão e xenofobia". Acusa a cultura de massa de colaborar com a estetização da violência e da miséria. Cita o filme ``Germinal", de Claude Berri. ``Filmes assim mostram que ainda pensamos como no século 16, época em que o europeu passou a ver o marginal como ameaça e a expulsá-lo das cidades." Geremek acha que o ``horizonte da liberdade" que o marginal sugeria na Idade Média e nos anos 60 está cada vez mais distante. Próximo Texto: Alta literatura ignorou pobres Índice |
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