São Paulo, quinta-feira, 8 de junho de 1995
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Só 170 cientistas de impacto?

WALDYR A. RODRIGUES JR.

A Folha, em sua edição de 21/5/95, publicou elogiável reportagem, da qual consta a relação de 170 pesquisadores residentes no Brasil considerados como os cientistas com trabalhos de maior impacto no exterior. O critério usado para a escolha foi o de verificar quais cientistas possuíam mais de 200 citações por seus pares de 1981 a 1993, de acordo com uma base de dados do ISI (Instituto para Informação Científica) dos EUA, que publica o ``Science Citation Index" (SCI).
É inegável que mais de 200 citações em um período de 13 anos qualifica qualquer cientista como um pesquisador de renome internacional. Contudo a afirmação de que somente esses cientistas produziram trabalhos de impacto no exterior seguramente é falsa. Existem muitos argumentos para endossar minha afirmação, e, no que segue, apresento alguns deles.
Verifica-se que a lista da Folha não inclui nenhum matemático. Ora, no período coberto pelo relatório, os seguintes fatos importantes ocorreram. Em 1982, o professor Leopoldo Nachbin (UFRJ e CBPF) recebeu o prêmio Bernardo Houssay de Organização dos Estados Americanos (OEA), por suas importantes contribuições em diversas áreas da Matemática.
Em 1986 e 1988, respectivamente, os professores Maurício Peixoto e Jacob Palis (ambos do Impa) ganharam o Prêmio de Matemática da Academia de Ciências do Terceiro Mundo por seus trabalhos fundamentais sobre a teoria dos sistemas dinâmicos. Em 1989, o professor Imre Simon (USP) ganhou o prestigioso prêmio científico da União de Seguros de Paris, por suas contribuições à Informática Teórica.
Alguns físicos-matemáticos brasileiros receberam também distinções internacionais importantes. Cito, entre outros, o professor Élcio Abdalla (USP), que recebeu o prestigioso prêmio ``Medalha Weisskopf" do ``International Centre for Theoretical Physics" em 1994. Também o professor Marcelo Schiffer (Unicamp) recebeu o segundo prêmio do ``Gravity Research Foundation" de 94. Além desses nomes, menciono que o professor Cesar Lattes (descobridor do méson-pi) também recebeu o prêmio de Física da ``Academia de Ciências do Terceiro Mundo" em 87.
Ora, todos os nomes acima citados não aparecem na listagem da Folha. Por quê? A resposta envolve muitas variáveis. Tentemos entender algumas delas.
Por exemplo, de acordo com estudos realizados em 1982 pelo ``Conference Board of Associate Councils", EUA (que inclui o ``National Research Council"), os números médios de artigos publicados por ano por pesquisadores nos EUA que participam de programas de doutorado nas áreas de física, química, geociências, ciência da computação, matemática e estatística/bioestatística são respectivamente: 1,90; 1,70; 1,38; 1,06; 0,59; 0,50. O número médio de publicações anuais na área de ciências biomédicas é muito maior que 1,90, mas não disponho de dados precisos.
Vemos, por exemplo, que a frequência de publicações na área de física é 3,2 vezes maior que na área de matemática. Além disso, deve-se levar em conta o fato de que o número de pesquisadores em muitas áreas da matemática é muito pequeno. Por exemplo, talvez não mais de 50 matemáticos no mundo trabalhem em teoria de números. Na minha área de pesquisa, que é ``Aplicações de Álgebra de Clifford em Física-Matemática", não trabalham mais do que 60 pesquisadores. Com os dados acima, chegamos a conclusão óbvia de que o número de citações que um matemático receberá, deverá, em geral, ser menor que um seu colega físico, e dificilmente chegará a 200 no período coberto pela pesquisa do ISI.
Ainda mais, deve ficar claro que a Sociedade Americana de Matemática edita uma revista chamada ``Mathematical Reviews", que publica revisões críticas de todos os trabalhos que o seu corpo editorial julga ser de interesse para a matemática e suas aplicações. Diferentemente das simples citações que se encontram no SCI, as resenhas do ``Mathematical Reviews" (MR) informam muitas vezes o leitor sobre a qualidade e relevância do trabalho, não raro apontando erros, enganos e omissões. Um outro dado importante é que o SCI pesquisa somente 121 revistas na área de matemática, enquanto que o MR pesquisa mais de 3.000.
Assim pode-se verificar, por exemplo, que no período de 1982-1994 o autor deste artigo, não listado no placar da Folha, teve 34 de suas publicações revistas, o professor J. Palis teve 33, os professores Mario Novello (CBPF) e Walter Wreszinski (USP) tiveram 32, e Elcio Abdalla, 28. Dos físicos listados no placar da Folha e que desenvolvem pesquisas em física teórica, apenas 13 possuem artigos revisados no MR, e a média de artigos revistos é 10,6.
Acima dessa média e listados na Folha estão: Nilton O. Santos com 34, Francisco C. Alcaraz com 32 e Patrício Letelier com 31. Observo ainda que muitos outros físicos-matemáticos brasileiros têm mais de 20 trabalhos revistos no MR no período acima mencionado, mais do que matemáticos mundialmente famosos como Maurício Peixoto ou Djairo Guedes Figueiredo.
O exemplo acima do MR nos leva à seguinte conclusão: deve-se estar alerta para qualquer tipo de tentativa que se deseje inventar para classificar o trabalho científico. Se não forem levados em consideração as diferenças intrínsecas e ``condições de contorno" diferentes que existem em áreas distintas, pode-se chegar a conclusões injustas.
Encerrando, recomendo a todas as pessoas, de alguma maneira responsáveis pela ciência brasileira, o engraçadíssimo artigo de Norbert Untersteiner (``Physics Today", abril/95) sobre as significações das citações no SCI.

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