São Paulo, quinta-feira, 8 de junho de 1995
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Literatura espera pelo momento do exílio

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando se preparava para deixar Buenos Aires, partindo para Genebra, o escritor Jorge Luis Borges fez uma sentença sobre a cidade: ``É uma cidade grande como tantas outras, a minha era a das guitarras, das milongas, dos pátios. E nada disso existe agora".
Se Borges estava certo ou não, o fato é que morreu na Suíça, sem ter retornado a seu país. E para muitos dos seus admiradores, e detratores, de saudade.
O fato acabou por comprovar que, ao menos entre escritores, os argentinos se tornam cada vez mais argentinos a medida que se afastam, quando se exilam ou são exilados de seu país.
O primeiro afastamento do escritor aconteceu em 1914, quando Borges tinha 14 anos. Sua família havia se mudado para Genebra, onde rapidamente aprendeu o francês e o alemão.
O que resultou, para ele, em um mundo de livros, versos e personagens de uma cultura que não era a sua, mas muito mais antiga e, lhe pareceu, mais preciosa.
Depois de quatro anos retornou à Argentina e começou a fazer parte do mundo intelectual de Buenos Aires, onde um grupo de jovens escritores tentava lidar com um problema incômodo: provar a existência de uma literatura que existia além de sua língua. Ou seja, que não fosse apenas uma ressonância do que a Espanha, e seus companheiros de língua, haviam produzido.
Para provar, publicou obras como ``História Universal da Infâmia" (1935), ``Ficções" (1944) e ``O Aleph" (1949), onde mistura a cultura européia, enciclopédica, a algo plenamente gaúcho.
E, por mais negasse no fim da vida, algumas obsessões em sua obra, como os labirintos, se misturam as sua lembranças de sua Buenos Aires.
Um de seus melhores amigos, no tempo dessa capital argentina essencialmente européia, foi Adolfo Bioy Casares, 81, o chamado ``rei do conto fantástico".
Nascido em Buenos Aires, Casares publica em 1940 ``A Invenção de Morel", onde toca no tema das cidades imaginárias que, como sempre, fazem parte de sua cidade. A capital argentina aparece também em ``O Sonho dos Heróis", onde um personagem mergulha entre uma cidade mitológica e uma outra, estupidamente real.
Casares não abandonou a Argentina, mas prefere criar lugares imaginários para se entender como um verdadeiro argentino.
Um exílio bem menos poético quem sofreu foi Julio Cortázar, que por razões políticas se viu obrigado a viver em Paris.
Continuando a tradição, Cortázar (que morreu naturalizado francês, em 1984), recheou sua ficção também com o fantástico, o inusitado que se mistura, assustadoramente, à realidade.
Mas foi capaz de recriar a modernidade literária de seu país, em um romance como ``O Jogo da Amarelinha" ou ``O Livro de Manuel", sobre um grupo de exilados em Paris.
Uma modernidade que é devedora de Ernesto Sábato, 84, físico de formação que se apaixonou pela literatura e se tornou, ao lado de Casares, um dos escritores vivos mais importantes de seu país.
Mas a obra de Cortázar frutificou também em Ricardo Piglia, 56, autor de ``Respiração Artificial", ``A Cidade Ausente" e ``O Laboratório do Escritor".
Piglia é hoje o grande nome da literatura argentina, parte dos novos -como Manuel Puig, de ``O Beijo da Mulher Aranha-, e que define, as obras literárias de seu país, como um profundo caso de soberba.
Para ele, toda a ``literatura nacional seria a tentativa de se construir uma tradição que tivesse a forma de uma fronteira. A tradição é fantasiada como se fosse um território". Como um bom escritor, e argentino, ainda querendo escapar e permanecer.

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