São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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A página virada

OSIRIS LOPES FILHO

O presidente Fernando Henrique mencionou que foi virada uma página da história do país. Efetivamente, com o apoio que tem encontrado no Congresso e que lhe vai garantir a aprovação final das mudanças constitucionais na ordem econômica, não há dúvida de que se deu uma virada drástica na organização econômica do Brasil.
Virou-se não só a página, mas a mesa e as regras constitucionais que protegiam os monopólios estatais, que garantiam a frágil soberania de país do Terceiro Mundo.
Não se pode dizer que começou agora a mudança, já que examinados os acontecimentos numa perspectiva deste quinquênio inicial dos anos 90, ver-se-á que a modernização e privatização do governo Fernando Henrique constitui uma continuidade dialética do governo Fernando Collor.
Claro que há diferença. Agora há um charme intelectual, não mais a truculência varonil do início da década. Mas as identidades, que são tantas, é que determinam a continuidade de um processo.
A começar pelos nomes dos presidentes, sutil pleonasmo histórico a confirmar a convergência de idéias e comunhão de propósitos.
As forças que comandam o processo são as mesmas, embora deva se reconhecer o talento e a habilidade das forças conservadoras que, mantendo o poder do qual nunca se desgarraram, agora adquiriram maior legitimidade, já que conseguiram ter na titularidade formal da Presidência um político cuja ascensão se deu ao lado dos interesses do povo, com purgação no exílio e que agora, cidadão e estadista do mundo, abre as portas do país e do Estado, avassaladoramente, à participação do capitalismo nacional e estrangeiro.
A bem da verdade, é de se reconhecer que houve, senão uma descontinuidade, pelo menos um hiato nesse processo desestatizante e privatizante destes anos 90. Foi o governo Itamar Franco. Está certo que privatizou a Companhia Siderúrgica Nacional, obra fundamental do desenvolvimento nacional, realizada pelo governo Vargas. Mas resistiu às tentativas de privatização do Banco do Brasil, Vale do Rio Doce, Petrobrás, Eletrobrás, Telebrás. Itamar, ainda que com vacilações, foi fiel às suas origens e trajetória políticas de natureza nacionalista.
Os fracassos do modelo colaboracionista adotado pelo governo federal já estão evidentes no México e Argentina: hoje nomes de países em marcha acelerada para comporem mero endereço geográfico, despidos de soberania nacional, desfibrados e invertebrados por uma política desnacionalizante feita por uma elite que representa os interesses do âmbito mundial e que sonha com as sinecuras dos organismos internacionais.
A onda liberal desenha um Estado regulamentador. A lei sobre as concessões de serviços públicos já está aí, modificada logo na primeira hora por medida provisória.
Um Estado regulamentador pressupõe, para que seja eficaz, uma estrutura funcional, com excelência do seu quadro jurídico, para feitura dos contratos, acompanhamento da sua execução e solução dos litígios. Nesta linha, a execução e boa prestação dos serviços públicos dependerão de um quadro de auditores, altamente capacitados, para controle destes serviços. Nada disso existe hoje.
A sua montagem dependeria de notável esforço reorganizatório da administração pública federal. Infelizmente, a atual direção da Secretaria de Administração Pública e Reforma do Estado tem-se notabilizado por mobilizar os funcionários públicos apenas na defesa dos seus direitos, permanentemente ameaçados pela incontinência verbal terrorista de seu titular.
Os desafios futuros para o povo são muitos. A sua vigilância e cobrança têm de se organizar e dotar-se de maior eficácia. As praças e ruas estão aí para manifestações.
O importante agora é evitar-se que a virada de página vire viração em favor dos privilegiados de sempre. A fé remove montanhas. A má-fé pode destruir países. Como disse o povo durante a ditadura militar: a luta continua.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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