São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Os benefícios do seguro-garantia

MÁRIO C. DE OLIVEIRA PINTO

O administrador público deve decidir quais garantias são necessárias à boa realização da obra
Aquele que garantir um estranho pagará por ele; e aquele que tiver a garantia estará seguro.
Provérbios 11:15

Construção de obras públicas é atividade de risco. O risco tende a ser tanto maior quanto mais complexo for o empreendimento, mais elevado o volume de recursos envolvidos e mais importante o critério do menor preço para a escolha da empresa licitante que irá executar o trabalho.
Uma infinidade de motivos pode impedir que a empreiteira selecionada para realizar determinada obra cumpra rigorosamente as exigências de qualidade técnica e prazo estipuladas no contrato.
Além disso, por incapacidade financeira ou gerencial, ela pode atrasar ou interromper pagamentos de salários, aluguel de equipamentos e materiais adquiridos. Pode ainda descumprir compromissos com empresas por ela subcontratadas. Pode, enfim, quebrar.
A frequência com que ocorrem situações de inadimplemento parcial ou total de contratos nesse campo dá a medida dos problemas a que a administração pública de qualquer país está sujeita nos negócios com seus prestadores de serviços.
O seguro-garantia surgiu exatamente para proteger o Tesouro -ou seja, o dinheiro do contribuinte- dos efeitos de eventuais erros de julgamento do administrador ou da insolvência da empresa contratada. Trata-se de instituição centenária. Vige nos Estados Unidos desde 1893, quando o Congresso aprovou a chamada Lei Heard, aperfeiçoada em 1985 pela Lei Miller (Miller Act).
Obrigatório no caso de contratos firmados pela administração federal americana, o seguro-garantia (genericamente, ``surety bond") foi sendo progressivamente adotado por quase todos os governos estaduais daquele país. A legislação determina que uma construtora só poderá participar de concorrência de obra pública se dispuser de certificado emitido por algum ``surety bond producer" (instituição provedora de caução de garantia).
A apólice é prova de que a seguradora arcará com o cumprimento de todas as obrigações contratuais assumidas pela empreiteira vencedora da licitação. Trata-se, essencialmente, portanto, de um instrumento de privatização dos riscos inerentes a tais contratos: uma entidade privada (a companhia de seguros) garante a uma agência pública (o órgão contratante) que todos os compromissos aceitos por uma terceira parte (a construtora) serão cumpridos, haja o que houver, sem que o ônus dessa efetivação recaia sobre o contribuinte.
Em 1988, quando faliram 7.000 empreiteiras americanas, estavam em curso nos Estados Unidos empreendimentos públicos avaliados em US$ 80 bilhões (incluindo as obras abandonadas pelas construtoras falimentares). Quase todos esses projetos contavam com a proteção proporcionada pelo seguro-garantia, sob a forma de ``bid bonds" ou ``performance bonds".
Não por acaso, o manual de licitação do Banco Mundial (Bird), o ``Procurement of Works", estipula que os governos que se candidatam a seus financiamentos forneçam dois tipos de documentação: um, para a pré-qualificação dos licitantes; outro, para a contratação propriamente dita. Esse requisito indispensável da pré-qualificação pode materializar-se na caução de garantia oferecida pela seguradora às empresas interessadas na obra.
A seguradora -pelo fato de garantir com seu patrimônio que a empreiteira contratada (ou outra, em seu lugar, às expensas dela) fará o serviço nos padrões e prazos determinados e pagará em dia mão-de-obra, fornecedores e subempreiteiros- naturalmente só assumirá tal compromisso depois de ter avaliado, além dos indicadores econômico-financeiros da referida empresa, a qualidade e a amplitude de seu currículo, o nível de seus principais quadros profissionais e o grau de sua capacitação técnico-administrativa.
Esses parâmetros respaldam as contragarantias que a empresa tiver fornecido à companhia de seguros e que, em última análise, lhe permitirão responder pela fiel execução do contrato. Nesse sentido, o seguro-garantia constitui um sistema avançado de análise de propostas comerciais, à medida em que permite substituir a subjetividade ou, pior, o clientelismo, na avaliação de empresas concorrentes, por critérios de economia de mercado.
O seguro-garantia é tão mais útil quando o critério do menor preço governa a licitação. Na vigência da instituição do seguro-garantia, a autoridade contratante sabe que, se a contratada que ofereceu o preço mais baixo, por isso mesmo não conseguir levar a cabo o empreendimento nos termos devidos, outra construtora o fará, sem prejuízo para os cofres públicos. Nessa perspectiva, o seguro-garantia equivale a uma defesa do erário contra o que se pode chamar "preço inexequível, o subfaturamento de obras públicas.
Simetricamente, o valor do seguro não pode ser elevado a ponto de servir como instrumento de exclusão de boas empresas. O Banco Mundial exige 30% do valor da obra. Na Europa, a média é de 10%. Nos Estados Unidos, o valor a ser coberto pelo ``performance bond" fica a critério da autoridade contratante; o alcance da garantia a terceiros (``payment bond") varia conforme a envergadura do contrato, podendo alcançar no máximo US$ 2,5 milhões.
Apesar de todas as suas evidentes vantagens, o seguro-garantia não chega a ser uma panacéia. Tampouco é de utilização irrestrita. Pode-se argumentar que, embora minimizando riscos, é ainda insuficiente como proteção do interesse público, em comparação com o fator qualificação técnica e gerencial da empresa construtora.
De outra parte, os padrões de licitação válidos para empreendimentos de grande porte não podem se aplicar automaticamente a pequenas obras, como a repavimentação de vias públicas numa cidade do interior, porque isso acarretaria às empresas interessadas custos proibitivos no preparo de suas propostas.
Nesses casos, deve-se ou não adotar o seguro-garantia? Não há resposta a priori. Ela depende de se identificar o nível de responsabilidade a partir do qual venha a se tornar insuportável o risco de má execução ou atraso no serviço. A fixação desse patamar há de ser fruto da vivência dos contratos. No limite, é uma questão de bom senso: o administrador público deve ser livre para decidir, em cada caso, quais e quantas garantias serão necessárias à boa realização do empreendimento.
Em síntese, o que se procura com esse instituto é evitar, de um lado, a má escolha da empresa que irá tocar a obra; do outro, a displicência por parte do construtor, causa de execução insatisfatória do trabalho.
Por isso, o seguro-garantia deve figurar ou na própria legislação que estabelece as normas relativas às licitações de serviços públicos ou em lei complementar àquela, para tranquilidade de governantes e contribuintes.

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