São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995 |
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Os pesos da racionalidade Análise de Weber sobre música cai no etnocentrismo EDUARDO SEINCMAN
O livro recém-publicado ``Os Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música", de Max Weber, pode ser incluído naquela etapa anterior, a da ``pesadez". Apesar de toda a tentativa do tradutor e do prefaciador em anular o efeito gravitacional, a verdade é que isto se torna missão impossível. ``O contato com os primeiros parágrafos é assustador para quem não estiver provido de conhecimentos e coragem para enfrentar as mais áridas considerações técnicas sobre a linguagem musical" -é o que nos adverte Gabriel Cohn em seu prefácio. Mas, afinal, do que trata este texto sobre a música de Max Weber (não confundir com os compositores Weber ou Webern)? Sobre a estética musical? Sobre a composição ou interpretação? Sobre a sociologia da música? Sobre a filosofia da música? Sobre a sua história? Sobre a técnica e a teoria musicais? Diríamos... uma pitada de tudo isto, mas, no fundo, nada disto, pois não há uma sistematização de um pensamento crítico ou reflexivo. Para o autor, a fundamentação racional restringe-se, ainda, em pleno século 20, a uma abordagem cientificista semelhante àquela plausível, por exemplo, na época de Rameau. As questões importantes do texto perdem-se em um oceano de detalhes de grande erudição. Para falar ``modernamente", diríamos que se trata de um nhenhenhém infindável a respeito, quase que única e exclusivamente, da questão dos intervalos e das escolas musicais das diversas culturas de nosso planeta. Para um estudioso de etnomusicologia, isto poderia até interessar, não fosse o fato de Weber realizar, no fundo, apenas um bom resumo da bibliografia musical de sua época. Onde está, então, a especificidade de Weber neste texto? Apesar da tentativa do autor em traçar um paralelo entre as diversas culturas de nosso planeta, Weber não consegue fugir ao lugar-comum mesmo quando trata apenas da música ocidental: a racionalidade da harmonia é contraposta à irracionalidade da melodia (sic) e, a partir desta premissa, frase lapidares, que impressionam à primeira vista, são de vez em quando veiculadas no texto: ``Não haveria música moderna", afirma Weber, ``sem estas tensões derivadas da irracionalidade da melodia, já que elas constituem precisamente seus mais importantes meios de expressão". A impressão que se tem é a de que Weber está sempre querendo analisar o fato musical tomando como ponto de partida os menores elementos, os elementos acústicos e de organização das notas para, então, tentar abarcar o todo. Primeiro, ele retalha, separa, divide, para depois somar: mas o problema é que a música não é uma ciência exata -para abordar o seu fenômeno é preciso ir além da racionalidade analítica, é preciso tomar em consideração questões como a da escuta, do tempo, da memória. A linguagem artística, em geral, e a musical, em particular, constituem, essencialmente, fenômeno estético, e todo fenômeno estético será sempre uma possível interpretação dos fatos. Se a análise da música do Ocidente requer esta postura, o que dizer, então, das músicas não-ocidentais? Será preciso um duplo esforço, no sentido de tentarmos nos colocar no lugar do Outro e de compreender sua linguagem de dentro, algo que a moderna antropologia e história, assim como a filosofia e a psicanálise, têm discutido visceralmente. Weber não consegue alcançar este patamar: ele afirma, por exemplo, que ``a música primitiva foi afastada, durante os estágios iniciais de seu desenvolvimento, do puro gozo estético, ficando subordinada a fins práticos", o que a tornou estereotipada, unicamente preocupada com deuses e os demônios. Desta afirmação já se pode imaginar o que o autor dirá, em seguida, de forma subtextual: é na música ocidental que ocorrerá o verdadeiro despertar das necessidades puramente estéticas, ``iniciando-se regularmente sua verdadeira racionalização: somente a elevação da música polivocal à condição de uma arte escrita produziu então verdadeiros compositores, e assegurou às criações polifônicas do Ocidente, em oposição àquelas de outros povos, duração, repercussão e desenvolvimento continuado" (sic). Seria, pois, interessante mudar o enfoque de leitura deste livro, discutindo, primeiramente, as questões da visão e da dominação cultural do homem ocidental com relação às demais culturas -algo que a complexa e maçante erudição deste livro, assim como o excesso de parênteses, notas e colchetes quase conseguem escamotear, por exemplo. Italo Calvino, no fundo, está correto: a ``pesadez" é um sintoma dos tempos. Texto Anterior: "Sijô" traz ícones musicais da poesia oral coreana Próximo Texto: Homem deve evitar as más notícias Índice |
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