São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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"Sijô" traz ícones musicais da poesia oral coreana

LUIZ A. MACHADO CABRAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

``Sijô" significa "cantos sazonais, no sentido de canção popular, passageira. Corresponde a uma forma poética tradicional da Antiga Coréia, cujas raízes remontam aos cantos budistas importados da China Ming.
Como acontece com toda tradição baseada na transmissão oral, grande parte desta ``poesiacanto" desapareceu, quer pelo seu caráter de canto improvisado, quer pelo descuido quanto a seu registro.
Somente no século 17, após 400 anos de sua consolidação definitiva, os cantos passaram a ser compilados em antologias.
Quanto a sua estrutura, o Sijô é formado por três versos, totalizando uma média de 45 sílabas. O tema é apresentado no primeiro verso e desenvolvido no segundo. O terceiro verso apresenta uma antítese ou a solução de um impasse.
É isso que o torna uma mistura de ``engenho" e ``sensibilidade", em que a condensação das imagens nos desperta uma súbita emoção diante da beleza inesperada, nascida do puro contraste.
O seu caráter musical e a predominância do caráter oral sobre o visual conferem-lhe, no entanto, uma extrema elasticidade formal:
``A própria organização do alfabeto coreano -observa a tradutora Yun Jung Im em seu estudo introdutório- denuncia uma ordenação sonora do pensamento linguístico. Enquanto a escrita chinesa monta pictogramas, enquanto a escrita japonesa estiliza os pictogramas chineses, a escrita coreana monta sons, construindo verdadeiros fonogramas dentro de quadrados imaginários".
Cantado por políticos, eruditos e também pelas Gui-Seng (espécie de prostituta letrada e cultora de várias formas artísticas), o Sijô estava comprometido, em seus primórdios, com a difusão da ideologia confucionista; regras de convivência ética e oral cristalizaram-se em cânticos que ``expressavam a sabedoria adquirida pelos autores no curso de suas vidas turbulentas na condição de homens públicos".
Mas, como toda grande tradição lírica, o Sijô terminou por incluir em sua temática os eternos elementos da alma humana: o amor, a alegria, a ira, a frustração e a sabedoria manifestam-se em cânticos que expressam a consciência da fugacidade do tempo, o desejo de evasão do mundano e a plácida contemplação da natureza.
Mesmo desconhecendo a língua coreana, a impressão que permanece, após a leitura desta tradução brasileira, é a de que -como bem captou Haroldo de Campos na ``apresentação" desta edição- ``os tradutores tomaram por preceito manter o despojamento, a direticidade e a singeleza icônica do original, com uma dicção ao mesmo tempo concisa e dúctil em nossa língua".
Para o leitor meramente ávido de fruição, entretanto, a sensação provocada por esta coletânea de 101 Sijôs da clássica poesia coreana é o intenso deleite de um livro imperdível para o apreciador de boa poesia.

LUIZ ALBERTO MACHADO CABRAL é pós-graduando em grego antigo na USP

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