São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Morte de líder sérvio é saída para a Bósnia, diz filósofo

JAIR RATTNER
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LISBOA

Para o filósofo francês Bernard-Henri Lévy, a solução da guerra na Bósnia é a eliminação física do líder dos sérvios bósnios, Radovan Karadzic.
Ele acredita que sem o líder, a comunidade sérvia da Bósnia vai deixar de lado a guerra.
Para Lévy, a guerra da Bósnia tornou-se uma das marcas do surgimento do "nacional-comunismo", uma ideologia que ataca tudo o que é impuro, começando pelas cidades.
Durante os três anos de guerra na Bósnia, o filósofo esteve nove vezes em Sarajevo. Em defesa da cidade, dirigiu o filme "Bosna!", um documentário em que mostra sua visão do que é a guerra -uma luta entre a democracia, em que ocorrem as misturas de pessoas e raças, e o "nacional-comunismo", que busca a pureza de raça e de credo.
Não é a primeira vez que Bernard-Henri Lévy se envolve numa guerra. Já tomou partido em guerras como as do Bangladesh e do Afeganistão. Em Lisboa, onde apresentou o filme "Bosna!", falou à Folha.

Folha - O que o sr. acha que pode ser feito pelos reféns?
Bernard-Henri Lévy - Não sou um especialista militar e não tenho soluções milagrosas para resolver o problema.
Sei que a comunidade internacional foi humilhada. Tomar reféns é terrorismo e há duas estratégias possíveis: a negociação ou a dissuasão.
A negociação consiste em comprar a libertação dos reféns. A dissuasão é dizer ao terrorista que ele vai ser responsabilizado pessoalmente pela segurança dos reféns. Minha experiência diz que apenas a segunda linguagem funciona. É o que fazem os israelenses.
Folha - Parece que Radovan Karadzic está sempre blefando.
Lévy - Por isso que é necessário liquidar Karadzic. Eu estive em Belgrado (capital da Sérvia) há pouco tempo e existem projetos sérios de liquidação por todos os meios de Karadzic.
Nem todos os sérvios são fascistas e monstros.
Sou partidário da eliminação de Karadzic, que é um criminoso de guerra e tem em sua consciência centenas de milhares de mortos, violações em série, massacres de crianças e dois milhões de refugiados em uma população de cinco milhões.
Folha - Basta eliminar Karadzic?
Lévy - Não somente Karadzic, mas todo o "Estado-Maior" de Pale. Pense no precedente da Alemanha nazista, em que 90% dos alemães apoiavam Hitler.
Depois que Hitler morreu e os principais líderes da Wermacht e da SS desapareceram, o encantamento que esses homens exerciam sobre a população quebrou-se e a Alemanha tornou-se democrática.
Folha - Quem deve ser o responsável pela eliminação de Karadzic?
Lévy - Quem tem os meios para fazer isso é Belgrado. Acredito que a comunidade internacional tem também os meios para fazer.
Folha - Mas Karadzic não conta com o apoio do presidente sérvio, Slobodan Milosevic?
Lévy - Sim. Esta talvez seja a razão porque a comunidade internacional deva deixar de apoiar Milosevic.
Existe um culpado que é este regime "nacional-comunista" de novo gênero. O regime de Milosevic é talvez uma coisa nova, um híbrido entre o nacionalismo e o comunismo.
Folha - Parece que Karadzic é o único capaz de controlar os senhores da guerra sérvios. Sua eliminação não provocaria novos ataques?
Lévy - As milícias sérvias estão organizadas como um exército de verdade. No início, os milicianos eram camponeses sérvios animados por uma espécie de ódio e rancor contra a civilização.
Nesta guerra dos Bálcãs existe um lado urbicida, pela morte das cidades. No fascismo, há a idéia que a cidade é o mal.
Folha - Esta visão faz do neocomunismo uma nova barbárie?
Lévy - É um regime integrista. Hoje o mundo está dividido entre pessoas que têm a loucura da pureza e as pessoas que aceitam a mestiçagem.
Folha - Como fazer com que depois desse morticínio as pessoas vivam juntas?
Lévy - É certo que um dia será necessário perdoar. Mas os sérvios, os croatas e os muçulmanos podem viver juntos na Bósnia.
Em Sarajevo, 20% da população é formada por sérvios, que permanecem na cidade cercada pelos sérvios e vivem nos mesmos abrigos com os muçulmanos e croatas.
Folha - Como avalia o papel da ONU na Bósnia?
Lévy - Há duas coisas diferentes na ONU. Os soldados são admiráveis, fazem o melhor dentro do mandato que têm.
Já o comando das forças da ONU é completamente irresponsável. São incapazes porque dispersaram os seus homens, deixaram que fossem feitos reféns e deram ordens para que não respondessem quando atacados.
Além disso, a ONU criou a ficção de uma falsa neutralidade e esta é uma das razões da tragédia da Bósnia.
A ajuda humanitária feita por Estados desemboca na paralisia política. É como se os aliados não tivessem feito nada para parar com o extermínio de judeus e tivessem dado um prato de sopa na porta das câmaras de gás.

Texto Anterior: Chirac conversa com Major sobre a Bósnia; Japão julga guru de seita em separado
Próximo Texto: Para Vargas Llosa, Sérvia busca a paz
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.