São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Todo dia é D

Progresso na aprovação das emendas constitucionais, queda da inflação, afrouxamento das regras de aperto de crédito bancário, fim de uma longa greve em setor essencial, substituição sem traumas do presidente do Banco Central, recuperação das entradas de capitais no país, sinais de desaquecimento confirmando a eficácia da política econômica. É uma lista bastante convincente de que o governo brasileiro sabe e consegue o que quer.
Os mercados financeiros, entretanto, não estão plenamente convencidos. E os efeitos da eclosão da crise mexicana, em dezembro passado, tornaram mais que evidente a importância crucial de convencer esses mercados.
Pode-se talvez supor que as intenções das autoridades econômicas são na maioria das vezes as melhores possíveis. Mas jamais se pode dar como garantido de antemão que no mercado financeiro as boas intenções bastem por si mesmas.
Frequentemente assolados por ondas de especulação, esses mercados totalmente globalizados movimentam somas tão enormes de dinheiro que o seu mau humor ocasional, a sua desconfiança repentina ou uma reação precipitada e generalizada de pânico podem destruir até os mais evidentes sinais de melhora nos fundamentos da economia e da política de um país.
Aparentemente é o que vem ocorrendo nas últimas duas semanas no Brasil. Apesar daquela listagem prodigiosa de feitos do governo e da economia, muitos aliás apontados por operadores financeiros como condições essenciais para o aumento da confiança, as Bolsas caíram vertiginosamente. E os mercados cambiais puseram novamente sob suspeição a estabilidade do real, a durabilidade da ``banda" e a viabilidade do equilíbrio comercial.
Os fatos econômicos e políticos pareciam confirmar as melhores expectativas. Mas as manifestações de desconfiança e as apostas no fracasso cresceram em número e grau.
Ao final, a semana culminou com a demissão do Secretário de Comércio Exterior da Presidência da República, em virtude de declarações em desalinho com a postura oficial de apoio ao Mercosul. Sem entrar no mérito das declarações, não se pode ignorar que a confiança também trinca quando nem mesmo a equipe econômica consegue unificar seu discurso. Os rumores de demissão de outros ministros também frequentaram os mercados, que repetiram o conhecido minueto das boatarias de final da semana.
O fato, concorde-se ou não com os especuladores, aposte-se ou não na unidade da equipe econômica ou no sucesso do Plano Real, é que a especulação financeira ainda predomina sobre a percepção de avanços fundamentais no processo de ajuste econômico.
Correndo subterrânea e estimulando ainda mais a especulação está, a rigor, mais uma vez a hipótese de que o governo, no aniversário do real, decretará um novo Dia D. Os mercados, alvoroçados, não conseguem desvencilhar-se da fantasia infantil de que a todo aniversário deve corresponder um presente surpresa.
De nada adiantou a insistência do novo presidente do BC de que a política cambial não muda, menos ainda as operações de venda de dólares pelo governo ou mesmo a confirmação de que o Tesouro vai lançar títulos corrigidos pelo dólar.
Aniversário é aniversário, e as férteis imaginações projetam tarifaços, máxis corretivas, suspensões abruptas de fundos de curto prazo ou do mecanismo da zeragem.
Para quem sobrepõe a especulação ao fundamento, o rabo pode balançar o cachorro e toda política econômica tem o seu Dia D. A tese de mudança gradual, de ``processo" como insistiu o presidente FHC, parece afinal sem graça para quem vive de sobressaltos e fatura com a surpresa.

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