São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995 |
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jogo de dados
CAIO TÚLIO COSTA Seria o acaso um elemento constitutivo da obra de arte?Diálogos impertinentes é o título da série de conversas que opõe duas pessoas inteligentes tendo como pano de fundo temas impertinentes -ou vice-versa. No mês passado, o teólogo Leonardo Boff discutiu o desejo, definido por ele como "vulcânico", com a psicanalista Miriam Chnaiderman, para quem não existe desejo sem transgressão. Outros temas virão até o fim do ano: acaso, religiões, utopia, inteligência artificial, fronteiras. Neste mês de junho, na terça-feira dia 20, no Teatro de Arena do Tuca, na PUC de São Paulo, com transmissão ao vivo pelo canal 32 da NET (cabo), o físico Rogério César de Cerqueira Leite encara o poeta Haroldo de Campos. Ambos devem destrinchar o acaso. Haja impertinência em puxar com um cientista lógico e um poeta desmedido assunto dirigido necessariamente ao imponderável num tempo tão carente de ponderações. É por essa e muitas outras contradições que me atrevo a listar, não por acaso, algumas questões preferenciais. Com a ajuda dos clássicos, e de um dicionário de filosofia, proponho alguns temas, imaginando a possibilidade de lançar-se luz sobre uma dúzia de pequeninas questões que incomodaram os pensadores e, no limite, ainda afligem a humanidade. Tive o cuidado -ou a petulância, nunca se sabe- de transformar em pergunta o que, em alguns casos, permanece informação peremptória na boca de filósofos e cientistas. Eis aí: 1. O acaso indica necessariamente a derrota intelectual do homem? 2. O acaso existe enquanto tal apenas numa situação que tenha a ver com o homem? (Bergson) 3. O que o acaso tem a ver com a entropia, a medida de quantidade de desordem de um sistema? 4. Se "tudo aquilo a que chamamos de evento deve ter uma causa" (Cournot), então o que é o acaso? 5. Pode-se confundir cálculo de probabilidades com acaso? 6. Seria o acaso um elemento constitutivo da obra de arte? 7. O que tem a ver com o acaso a idéia de independência e da não-solidariedade entre diversas séries de causas? (Cournot) 8. Não seria o acaso o caminho de toda interação, todo conhecimento e, mais, a condição de existência de toda novidade natural e toda a criatividade humana? (H. Barreau) 9. Por que um lance de dados jamais abolirá o acaso? (Mallarmé) 10. O que é acaso para os homens é desígnio para Deus? (Bossuet) 11. Deus joga dados? (Einstein) 12. Por que a soma de acasos, contradições, indeterminações e automatismos nos abafa como num pesadelo infindável? (James Joyce) Bom, não é por acaso que a palavra francesa que o designa, hasard, vem do árabe az-zahr, que significa "o dado" e leva ao jogo de dados, aquele que depende menos da habilidade do jogador do que de uma multiplicidade de fatores ligados à sorte ou ao azar. E o acaso remete a outro grego, Heráclito, chamado aqui por precaução. Ele dizia que quem não espera o inesperado não o descobrirá, pois é fechado à busca, e a ele nenhuma estrada leva. Prontas as questões, caso lhe falte paciência para a metafísica, jogue o dado. Ilustração: "Gerações" (1988), instalação de Tony Cragg Texto Anterior: banho de limpeza na prata da casa Próximo Texto: já está chegando o alquimista Índice |
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