São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Walcott filho de Ogum

LÚCIA CRISTINA DE BARROS

O "mea culpa" dura pouco. O carro se aproxima do terreiro. Pára. Antes de descer, os olhos desconfiados, Walcott atira: "Mas de quem foi essa idéia ridícula de me trazer a um lugar tão clichê?" Fica sabendo que o candomblé tem importância na cultura brasileira. Entra resignado.
Mãe Sylvia, que dirige o terreiro, está em festa. É com evidente prazer que ela recebe Walcott em sua sala principal, explica o significado das várias imagens no templo, das roupas que os devotos envergam, e então leva o poeta à sala onde joga búzios para identificar seu santo.
Num pedaço de papel, ela pede a Walcott que escreva seu nome e data de nascimento. Derek Walcott, 23 de janeiro de 1930. Não é possível! A repórter também é de 23 de janeiro! Ele não acredita, quer ver os documentos. Com a carteira de identidade da sua vítima em mãos, Walcott ouve Mãe Sylvia descrevê-lo: "Olha só, ele também tem mediunidade. É bravo! Gosta de tudo correto. Parece tranquilo, mas pode virar de uma hora para outra."
Filho de Ogum e tendo Iemanjá como seu segundo orixá, Walcott é descrito como "um lutador, um homem que abre caminhos e luta pelo próximo". Walcott agradece a honra de ter sido recebido no terreiro. Não quer fazer perguntas. Sai apressado.
De volta ao banco de trás do táxi. O poeta não quer continuar a entrevista imediatamente. Silêncio.
Mera coincidência
Quando as palavras retornam, Walcott fala da peça em que está trabalhando no momento, junto do cantor Paul Simon. "É uma história entre Porto Rico e Nova York, sobre um assassinato cometido por uma gangue de adolescentes nos anos 50." Na peça há uma cena crucial, em que a mãe de um jovem vai ao equivalente caribenho do candomblé, chamado santeria. Lá, a mãe de santo joga búzios para prever o futuro do rapaz. Qualquer semelhança com o que aconteceu com Walcott no terreiro é mesmo mera coincidência. Ele se rende: "É impressionante... Passar você mesmo pela experiência produz uma sensação estranha. Para mim foi uma sorte." Conta que vai reescrever a cena.

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