São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Walcott filho de Ogum

por Lúcia Cristina de barros

LÚCIA CRISTINA DE BARROS
FOTO BOB WOLFENSON

Erramos: 18/06/95
Por um erro de edição, não foi publicada (na edição nacional) a reportagem referente ao título "Derek Walcott é filho de Ogum", que saiu na capa da edição passada. A reportagem sobre o Prêmio Nobel de Literatura a um terreiro de umbanda será publicada na próxima edição da revista.
"Hoje eu decidi que vou ser difícil." Derek Walcott, 65 anos, prêmio Nobel de Literatura em 1992, está sentado no hall de um hotel paulista. Bloquinho e caneta em mãos, escrevendo uma nova peça, o dramaturgo e poeta caribenho vai logo dizendo, com cara de poucos amigos: "Você está intimidada?". Ele caminha até o carro que o levará ao terreiro Aché Ile Obá, na zona sul da cidade, onde descobrirá seu santo: Ogum, que rege a guerra. O terreiro de candomblé é o único ponto que restou de um roteiro que pretendia mostrar ao poeta várias partes da cidade para discutir a mistura racial e cultural brasileira. Mas esses eram os planos antes de Walcott chegar ao Brasil e, mau-humorado -"com saudades do mar"-, trancar-se em seu quarto.
"Até agora, vi o aeroporto, o hotel e a televisão. O senhor está cansado? "Não, eu sou chato mesmo."
São quase três da tarde. Trânsito pesado. Walcott concorda em falar. Pergunta: se ele pensa que um dos grandes desafios da modernidade é a coexistência das diferenças. Resposta: "Eu penso que um dos grandes desafios da modernidade é responder a perguntas profundas no banco de trás de um táxi."
Não, isto não vai ser fácil.
Assassinato em série
Derek Walcott é um dos grandes poetas vivos da língua inglesa. Um senhor com uma leve barriguinha, de beleza discreta, tem a fala mansa e as palavras ferinas.
A disciplina do escritor ele julga que adquiriu graças ao cigarro. "Levantava todo dia porque pensava: vou fumar. Daí eu escrevia enquanto fumava. Quando deixou o vício, há menos de um ano -substituindo-o por outro, "assassinato em série", especialmente de jornalistas-, Walcott continuou escrevendo.
As cinzas da obra
Seu trabalho, porém, "deteriorou-se consideravelmente". Tanto, que Walcott diz que divide sua obra em duas fases, do fumante e do não-fumante, "a.F. e d.F., como antes e depois de Cristo". Como o trabalho da segunda fase é "ridículo", ele aconselha quem for a uma livraria a perguntar: "esse livro é a.F. ou d.F.?", e só comprar os primeiros.
Walcott está rindo, um riso de desafio e deboche, de quem acha graça de si próprio. Preso dentro de um carro, cercado por um motorista, uma acompanhante e uma jornalista, ele está resignado a "fazer papel de escritor", coisa que detesta.
Santa Lucia
Vai dar a entrevista marcada, mas em seus termos: divertindo-se em dizer qualquer coisa que julgue poder chocar. Depois, quieto, espera por alguma reação do interlocutor. Mas o silêncio parece incômodo para esse mestre da língua, que enche o ar com mais palavras. "Tenho sorte de viver numa ilha, para onde posso sempre voltar", diz, confortável com a rotina da vida em Santa Lucia -escrever, nadar e ir para casa faminto.
Descuido de simpatia
A ilha, no arquipélago das Antilhas, é sua casa, seu tema de muitas poesias e sua saudade.

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