São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1995
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Um exemplo concreto de reforma do Estado

TARSO GENRO; JOSÉ ANTONIO ALONSO

Desenvolve-se em Porto Alegre uma experiência de reforma do Estado com resultados animadores
TARSO GENRO e JOSÉ ANTONIO ALONSO
A marcha da globalização e reestruturação econômicas em curso nas últimas décadas tem imposto profundas mudanças em todo o planeta. O Estado, nas suas diversas esferas de organização, tem sido a instituição mais contestada nos dias atuais. As diversas posições críticas obedecem posturas que vão desde o neoliberalismo mais puro até aquelas que defendem posições corporativistas claras (pequena parcela dos servidores) ou veladas (conhecidos segmentos empresariais).
O debate sobre esta questão tende a dificultar uma compreensão mais nítida sobre o assunto, por parte da população em geral e também as propostas de reforma do Estado que estão em pauta são simplistas, inconsistentes e não têm como eixo básico o real controle do aparato estatal pela cidadania.
Na verdade, o que se observa neste momento da história do país é uma luta interna feroz das forças sociais, políticas e econômicas que sempre controlaram o Estado e seus recursos, obtendo ganhos incompatíveis com a renda da maioria empobrecida da população. Basta lembrar como exemplos mais gritantes os ``senhores de engenho" do Nordeste e as aposentadorias especiais de parcela da burocracia do Estado.
As questões fundamentais da reforma do Estado, no país, na verdade são as seguintes: quem o controlará? Ele será transparente ou opaco, como se constituiu até hoje? A cidadania continuará meramente formal? A revolução da microeletrônica e da informática será apropriada para aumentar o poder da burocracia ou da cidadania?
Buscando responder estas questões, desenvolve-se no Sul do país, em Porto Alegre, uma experiência concreta, embora atípica, de reforma do Estado. É uma reforma difícil e até mesmo lenta, mas é democrática e verdadeira. Esta experiência de Porto Alegre tem alguns resultados bastante animadores. Sua filosofia básica é a desprivatização do Estado, mediante o aumento do controle pela população de suas funções essenciais.
Mais especificamente, trata-se de criar mecanismos que permitam a participação direta da população organizada na gestão da cidade, combinando-a com a representação política. Neste sentido, podemos citar quatro exemplos que caracterizam o estabelecimento de uma esfera pública não estatal, na qual governo e população organizada elaboram e disputam suas propostas democraticamente.
O primeiro exemplo é o do Orçamento Participativo, pelo qual há seis anos a cidade define suas obras prioritárias e realiza um bem-sucedido acompanhamento da execução desses investimentos. O segundo exemplo refere-se à implantação e funcionamento do Trade Point Porto Alegre, cuja finalidade é facilitar o intercâmbio comercial das pequenas e médias empresas com o mercado internacional. A gestão desta entidade (uma associação civil) é pública não estatal, isto é, compartilhada pelo poder público local e entidades representativas da sociedade.
O terceiro exemplo é o projeto encaminhado à Câmara Municipal para a criação de uma instituição alternativa de crédito com a finalidade de fomentar a pequena produção no município, justamente aquela que não é alcançada pelo mercado financeiro convencional.
A característica básica dessa instituição de crédito é não ser assistencialista nem paternalista, ser essencialmente comunitária, não ter fim lucrativo e trabalhar com grupos solidários para a obtenção do crédito. Não haverá crédito subsidiado, o que assegurará, sempre, uma remuneração positiva do seu capital. A gestão? Bem, a gestão também será pública não estatal, através de associação civil que integre diversos setores do mundo do trabalho e entidades não governamentais.
Está em processo de formação (quarto exemplo) uma outra instituição pública não estatal, que dirigirá o processo de transformação de Porto Alegre numa tecnópole. Será composta por órgãos da prefeitura, das universidades -com a UFRGS à testa-, bem como com a presença da Fiergs, Sebrae, com espaço reservado para a CUT e a Força Sindical. Em vez de um órgão do Estado para fomentar a inserção da cidade na revolução tecnológica, uma fusão do Estado com a sociedade civil para planejar o desenvolvimento tecnológico.
Trata-se de uma pequena contribuição que a cidade de Porto Alegre oferece ao país, que se move lentamente, enredado numa teia de interesses tecida ao longo de cinco séculos e que parece realimentar uma estrutura estatal sempre a serviço dos mesmos privilégios.

TARSO GENRO, 48, advogado, é prefeito de Porto Alegre (RS). Foi deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul (1989-90). É autor de ``Na Contramão da Pré-História" (1993) e ``Utopia Possível" (1994).

JOSÉ ANTONIO ALONSO, 51, é pesquisador da Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

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