São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 1995
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Onde saber das coisas

JANIO DE FREITAS

As informações ao governo da Argentina, antes de dadas ao Congresso e à população do Brasil, sobre as medidas econômico-financeiras a serem adotadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, excedem de muito o que se pudesse considerar como ação diplomática. Têm, a par do seu aspecto antiético, algo de profundamente contrário às instituições democráticas.
Mais uma vez, na quinta-feira, o governo argentino foi informado com antecipação da esperada medida provisória sobre cotas de importação. Foi uma iniciativa com o valor especial de negar que as informações antecipadas, como já alegou o governo brasileiro, têm a finalidade de evitar que o governo argentino seja surpreendido por efeitos inconvenientes. No caso das cotas, nenhum interesse argentino será atingido: a MP manterá liberada a importação de carros fabricados no Mercosul.
Como se soube disso? Pelo ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, que explicou a futura medida provisória do governo brasileiro em entrevista a Jorge Luiz de Souza, publicada pela ``Gazeta Mercantil" de ontem. A propósito, a irritação de Fernando Henrique com o vazamento aqui de um esboço da MP, acontecido também na quinta-feira, deve ser atribuída ao fato de que isso pôs em risco o privilégio prometido aos argentinos.
A prática da antecipação ao exterior tem implicações perigosas. Quando da desvalorização do real, o governo argentino difundiu lá a decisão do governo brasileiro antes que fosse conhecida aqui. Mas o sistema financeiro argentino tem extensões no Brasil e empresas do sistema financeiro brasileiro, inclusive bancos, têm sucursais na Argentina. Uma informação privilegiada sobre câmbio abre a possibilidade de imediatas jogadas especulativas -com lucros tão formidáveis quanto certos. E não só jogadas lá, mas sobretudo aqui mesmo, pela informação que uma sucursal brasileira passe para sua matriz antes de difundida para todos aqui.
O estilo imperial de Fernando Henrique não lhe permite reconsiderar. Logo, quem quiser informações privilegiadas sobre decisões do governo brasileiro, não se dirija a Brasília. Do governo brasileiro se sabe mesmo é em Buenos Aires.
Os excepcionais
Os acordos salariais do governo Itamar com eletricitários, telefônicos, petroleiros e funcionários do Banco do Brasil não foram respeitados porque, segundo o governo Fernando Henrique, descumprem a medida provisória do Real, contrária a aumentos. Os 230% de aumento para Fernando Henrique, seus ministros e assessores dos seus ministros, curiosamente, não descumpriram a MP do Real.
Mas os novatos do poder não são egoístas. Tanto que o presidente acaba de conceder aumento de 230% aos diplomatas. Por ``desempenho e produtividade". Ao que se saiba, o desempenho deles só aumentou na produção de festas em torno do presidente, não acontecidas na sobriedade do governo anterior. Deve ser o bastante para que a MP atinja uns e não outros.

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