São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 1995
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Tentação

ANDRÉ LARA RESENDE

Afinal, as importações explodiram. A de automóveis especialmente. O balanço comercial, após anos de saudável e robusto superávit, se tornou deficitário. Nada mais razoável do que tomar medidas para impedir que o quadro se torne crítico. Vide México. Melhor prevenir do que remediar. Claro, somos a favor da abertura comercial, mas vamos devagar com o andor.
Mercosul sim, mas não vamos entregando o ouro assim de graça. Os argentinos têm uma tarifa para automóveis mais alta do que a brasileira no Mercosul. Uma assimetria que só mostra como tudo isso é conversa para inglês ver. Eles estão com gravíssimos problemas para sustentar a âncora cambial e precisam do déficit brasileiro para ganhar tempo. Não vamos cair nessa.
Os Estados Unidos protegem sua indústria. Acabaram de tomar medidas protecionistas contra a indústria automobilística japonesa. Quem somos nós para discordar. Façamos como eles fazem, não como eles pregam. Precisamos de uma política industrial cautelosa que torne compatível a abertura com a defesa de setores industriais estratégicos. Não vamos sucatear a indústria nacional!...
Eu poderia continuar. A tentação é grande. Como fluem fácil os argumentos do convencionalismo. Uma vez iniciado, sou tomado pela irresistível vocação verborrágica do lugar comum. Tenho que fazer esforço, afinal o espaço é curto e preciso expor idéias menos fáceis de serem defendidas.
A possibilidade de se criar cotas para a importação de automóveis é mais grave do que pode parecer. Se existem elementos essenciais de um programa de estabilização, são eles o restabelecimento do equilíbrio intertemporal do orçamento do setor público e a abertura comercial. Os dois pilares da estabilização sustentada. O déficit público é a raiz da doença inflacionária. O protecionismo é o que lhe confere viabilidade. Sem ele, o desarranjo fiscal e a explosão dos preços domésticos implicariam crises sucessivas de balanço de pagamentos. Seria preciso agir, pois, como já foi dito, se a inflação aleija, o balanço de pagamentos mata.
Agir, infelizmente, tanto pode ser tomar as medidas corretas que garantam a estabilidade dos preços com equilíbrio externo, como mascarar os sintomas com barreiras alfandegárias de toda ordem e com a indexação generalizada dos contratos.
Uma economia está estabilizada se é capaz de sustentar o valor de sua moeda sem recorrer a juros excepcionalmente altos e a barreiras alfandegárias extraordinárias. Para fazê-lo só existe uma regra: aumentar a taxa de poupança pública e privada. A exposição aos estímulos e à disciplina da concorrência é fundamental. Infelizmente ainda não podemos dizer que passamos no teste. Estamos tentando. As dificuldades são grandes e às vezes parece faltar convicção.
Os juros estão absurdamente altos há muito tempo. A queda das tarifas foi brutalmente revertida. Agora, a ameaça de cotas para automóveis. Qual será o próximo setor? Há décadas vimos mascarando os sintomas, pretendendo ter inventado o analgésico contra as dores da inflação: indexação e protecionismo. Não vamos recomeçar. É hora de tomar rumo.

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