São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 1995
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Leia o discurso de posse de Gustavo Loyola

Esta é a íntegra do discurso de posse de Gustavo Loyola na presidência do Banco Central do Brasil.

O Plano Real acumula um acervo de vitórias que há muito tempo não se via na história econômica de nosso País.
Faltando pouco para contarmos um ano do lançamento da nova moeda, já se pode comemorar a queda da inflação, que despencou dos 40% mensais para cerca de 2%. Neste período, foi igualmente expressivo o crescimento da economia, se comparado com as médias que vinham se verificando desde o início da década dos anos 80.
Nunca na história brasileira recente, estiveram presentes simultaneamente tantas condições favoráveis para a estabilização definitiva da nossa moeda. A mais positiva dessas condições é o apoio decidido da sociedade, hoje totalmente convencida de que a estabilidade monetária é um bem público de valor inestimável para esta e para as futuras gerações. Por outro lado, há um compromisso firme e claro do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso de não deixar que a sociedade brasileira, através de suas camadas mais pobres, volte a pagar os ônus do imposto inflacionário, que é o mais perverso dos tributos. Além disso, não estão presentes os artificialismos que, no passado, geraram desequilíbrios nos mercados de bens e serviços, levando à ocorrência de ágios, filas e de outros tipos de distorções que, mais cedo ou mais tarde, acabarão por cobrar caro seu preço, sob forma do retorno rápido e violento do processo inflacionário.
Entretanto, em que pese a presença de condições tão favoráveis, ainda há muito o que caminhar rumo à estabilidade monetária definitiva. Muitos dos mecanismos engendrados pela sociedade brasileira para conviver com o crônico processo inflacionário das últimas décadas continuam ainda presentes na nossa economia. É preciso desmontá-los pacientemente, abrindo caminho para um novo regime monetário. Além disso, estamos apenas começando -embora de forma auspiciosa- o longo e necessariamente lento trabalho de modificação do regime fiscal estruturalmente desequilibrado instalado em nosso País, principalmente a partir de 1988.
Assumir a presidência do Banco Central nessas circunstâncias é um desafio profissional muito grande.
Por suas próprias funções, cabe à autoridade monetária um papel-chave nesse momento. A correta concepção e o correto gerenciamento das políticas monetária e cambial, a cargo do Banco Central, são indispensáveis à manutenção da força do plano de estabilização.
Nesse exercício de política econômica, não se deve nunca perder de vista o objetivo maior que é a perenização da estabilidade da moeda brasileira.
No calor de um programa de estabilização, é normal surgirem clamores -legítimos, é certo- contra a dureza de medidas adotadas pelos bancos centrais. Se, por um lado, os dirigentes de um banco central não podem ficar indiferentes a esses clamores, por outro, é seu dever assegurar que os sacrifícios da sociedade não sejam feitos em vão. Muitas vezes, ao atender o clamor daqueles que têm voz, pode-se simplesmente estar desprezando o sacrifício incorrido por milhares ou milhões incapazes de se exprimir com tal ressonância.
É preciso, portanto, resistir a qualquer tentação de desvio daquele objetivo maior que é a estabilização. Este é, a meu ver, o pano de fundo para se entender a natureza das políticas monetária e cambial no contexto atual.
Nesse sentido, a substituição na presidência do Banco Central não significa nenhuma mudança na condução dessas políticas. Reafirmo, aqui, o que disse quando da minha arguição no Senado Federal. O mesmo comprometimento firme com a estabilização continua existindo.
No que concerne à política monetária, poderão ser revistas as atuais restrições de liquidez, sempre e quando a demanda agregada der sinais de desaquecimento de seu ritmo de crescimento. Não se pretende levar o País a um ciclo recessivo, mas tão somente adequar a taxa de crescimento às atuais condições econômicas externas e internas. Não se deve esperar, entretanto, um afrouxamento dessa política ditada apenas pela necessidade de se livrar o Banco Central do desconforto das pressões. Corretamente, a partir de março último, o ritmo exageradamente elevado de crescimento da demanda agregada foi identificado como sendo potencialmente ameaçador para a continuidade do plano Real. Agora, quando começam a surgir sinais de redução desse ritmo, o Banco Central pode rever as restrições então adotadas, como, aliás, vem fazendo desde algumas semanas. É necessário ir com cuidado nesse processo de remoção dessas restrições, evitando-se os efeitos perversos de uma política do tipo ``stop and go".
Quanto à política cambial, serei lacônico e direto: a política de bandas hoje praticada é a que melhor se conforma ao plano de estabilização ora em andamento. Evita o desconforto do viés recessivo do sistema de taxas fixas, sem levar à desmesurada volatilidade do sistema de taxas flutuantes, que prejudica a exportadores e a importadores. Ademais, não se pretende voltar à prática corrente na época de velha moeda, quando se tinha a extensão pura e simples para o mercado de câmbio da cômoda correção monetária que se generalizava por toda a economia. Ao contrário, é hora, como já afirmei anteriormente, de se desmontar os mecanismo de correção monetária residualmente ainda existentes na economia brasileira.
Além das políticas monetária e cambial, o Banco Central é responsável pela supervisão do sistema financeiro. Nessa qualidade, deve estar atento às mudanças que os intermediários financeiros deverão sofrer para se adaptar a uma economia estabilizada. Buscando sempre preservar as regras de solvência e liquidez das instituições financeiras, creio que o Banco Central deve insistir na desregulamentação do mercado com vistas a propiciar-lhe condições adequadas para atuar como instrumento de financiamento do processo de crescimento econômico. Com a cautela necessária, os regulamentos vigentes deverão ser revistos pelo Banco Central, que deve assumir um papel proativo nesse processo de modernização do mercado financeiro.
Neste contexto, parece-me importante cuidar da regulamentação do artigo 192 da Constituição federal, que trata do Banco Central e do sistema financeiro. Entendo que esta instituição deve ter uma participação destacada nesse processo, inclusive assessorando o Congresso Nacional na elaboração legislativa, sempre que solicitado por aquele Poder.
No entanto, vejo com preocupação o andamento no Congresso do projeto de regulamentação isolada do dispositivo constitucional que limita as taxas de juros reais. Além dos problemas operacionais que essa limitação traz, o estabelecimento de um teto para o preço do dinheiro tira do Banco Central grande parte de sua capacidade de fazer política monetária. Há circunstâncias em que é necessário se ter juros acima do limite fixado constitucionalmente. Não sendo possível isso, estaremos a mercê de desequilíbrios monetários que podem comprometer qualquer esforço de estabilização da economia.
É preciso ter-se claro que só existe um caminho seguro para se baixar os juros: é através da estabilização definitiva da economia, com um regime fiscal estruturalmente equilibrado. Nesse tipo de ambiente econômico, as taxas cairão naturalmente, conforme demonstram as experiências dos países desenvolvidos.
Teremos à frente uma jornada dura e difícil, mas que pode ser muito recompensadora do ponto de vista profissional.
Somente podemos ter sucesso nesse desafio, com o apoio do corpo técnico desta instituição, cuja tradição de honradez, lealdade e competência é por todos reconhecida. Espero poder contar mais uma vez com esses apoio. O trabalho que nos espera do Banco Central é essencialmente um trabalho coletivo, em que todos devem ter plena consciência do relevante papel que nossa instituição deve desempenhar nesse momento. Menciono especialmente a necessidade de a diretoria do BC trabalhar num regime colegiado, como, aliás, é prática comum nos bancos centrais de quase todos os países.
Ao chegar ao final desse breve pronunciamento, presto uma especial homenagem ao Pérsio. Ao fazê-lo, não vou discorrer aqui suas qualidades de economista brilhante, que são sobejamente conhecidas de todos. Quero me referir, isso sim, ao profissionalismo e sobriedade de seu comportamento, quando aleivosias e insinuações foram gratuitamente levantadas contra ele. Lamentavelmente, está virando moda neste país jogar-se no ar insinuações sobre o comportamento de homens públicos. A que serve tudo isso? No caso do mercado financeiro, é certo que o tumulto criado por tais insinuações serviu para que poucos ganhassem muito.
Finalmente, ao encerrar, gostaria de agradecer ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao ministro Pedro Sampaio Malan pela honra da indicação. Espero, com a ajuda de Deus, corresponder integralmente à confiança em mim depositada.
Muito obrigado.

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